A natureza também pede socorro

24 de junho de 2021

Pe Simão Cirineo Ferreira
Pároco da Paróquia São Sebastião, em Andradas

“A criação geme em dores de parto (Rm 8,22).

Ao abrirmos a Sagrada Escritura no livro do Gênesis vemos os relatos da criação que revelam o desabrochar da vida, numa realidade de caos e a preocupação com a preservação do universo o que leva o autor bíblico por inspiração divina a escrever: “No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as águas… e Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom”. (Gn 1, 1-2. 31). A beleza de tudo, a harmonia do Paraíso marcava o relacionamento do homem com a natureza e este relato não foi escrito só para alimentar uma saudade do passado, mas é um despertar para esperança.

Mais do que nunca, nestes tempos de pandemia e desafios, a nossa Igreja, os cristãos, as pessoas de boa vontade devem se colocar numa atitude de abertura de mentalidade, sensibilidade de coração e mãos estendidas para receber e acolher o que a humanidade inteira compartilha como sábio ensinamento para o bem de todos. Nunca é tarde para aprender.

A história, os fatos, a realidade, estão mostrando as consequências na ecologia. Vemos e sentimos na pele as marcas da degradação, da extinção, da poluição, da destruição do meio ambiente, as vezes até com a justificativa de um “certo progresso”, mas cada dia fica mais evidente que sem sustentabilidade, responsabilidade ecológica, educação ambiental, revisão de hábitos, respeito à vida não avançaremos para o progresso, o desenvolvimento, mas sim para a desordem, para o atraso, para o caos.

O Papa Francisco nos lembra na Exortação Apóstólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, Evangelii Gaudium” e na Carta Encíclica sobre o Cuidado da Casa Comum, “Laudato Si”: “Somos chamados a amar o planeta onde Deus nos colocou e amar a humanidade com os seus valores e as suas fragilidades. A terra é nossa casa comum, e todos somos irmãos”. Um outro Francisco, o de Assis, dizia que Deus nos colocou no Paraíso para sermos guardiões das criaturas, não só beneficiários, predadores, mas cuidadores convictos de que quem respeita e cuida da criação demonstra amor ao criador. Sobre isso vale lembrar o que dizia Rubem Alves: “O mundo foi feito para ser um jardim e a vocação do ser humano é ser jardineiro…”, não é justo e é um pecado transformar este jardim num aterro sanitário ou num lixão.

Somos desafiados a escutar o grito da natureza, o apelo de todos aqueles que defendem com ousadia, coragem, amor e até com a própria vida esta causa, que é uma causa de vida e preciosa. Estes apelos chegam até nós através dos protestos dos ativistas ambientais (de Chico Mendes, Irmã Dorothy, a jovem Greta Thunberg); das conferências de líderes mundiais; das reportagens dos jornais; dos filmes e documentários das mídias; do combate das ONG’s; das canções eruditas ou populares onde os artistas, inspirados na natureza com suas belezas, cantam forte na defesa da terra, da água, da chuva, do rio, do mar, da baleia, da floresta, dos animais, do ar, da vida, do futuro de nossas crianças no planeta azul.

A nossa Constituição Federal de 1988 foi considerada por muitos como a Constituição Verde. A lei maior do país foi a primeira a tratar de modo ostensivo a questão ambiental, prevendo mecanismos de proteção e de controle. No Art. 225, Inciso VII, afirma que, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao Poder Público, dentre outras medidas, proteger a fauna e a flora. Além disso, o artigo veda práticas que coloquem em risco sua função ecológica e provoquem a extinção de espécies ou submetam animais a crueldade”.

A Igreja Católica, inspirada na Sagrada Escritura, através do seu magistério e de sua doutrina social, apresenta-nos a necessidade do cuidado com a criação, manifestação do amor providente de Deus. Diante dos graves problemas ambientais coloca em questão: Como evangelizar para que os povos descubram o dom da criação?

No Brasil, a Igreja trabalhou em várias Campanhas da Fraternidade a questão ambiental e ecológica fazendo forte apelo à conversão, à mudança de mentalidade, e necessidade de superar o egoísmo e a ganância. A primeira foi em 1979 “Preserve o que é de todos”; em 1986 teve como tema “Fraternidade e terra”; em 2002, “Fraternidade e povos Indígenas”; em 2004; “Fraternidade e a água”; em 2007 “Fraternidade e Amazônia”; e a última em 2017, com a temática “Fraternidade: Biomas Brasileiros e a Defesa da Vida”.

Atendendo ao apelo do Papa Francisco para sermos uma Igreja em “saída”, no anseio de ser uma paróquia cada dia mais missionária, sendo capaz de pensar e enxergar longe com uma ação local e sustentável que defende e cuida da vida em todas as dimensões, a Paróquia São Sebastião de Andradas, em espírito missionário já conta com uma primeira equipe de cristãos leigos e leigas comprometidos com esta missão evangelizadora. Estamos preparando a capacitação de novos agentes em nossas comunidades, dando assim os primeiros passos na implantação, formação e aplicação da Pastoral da Ecologia e do Meio Ambiente com base na pedagogia da missão continental a partir do encontro com Jesus Cristo, da conversão, do discipulado, da comunhão para a missão. Como mais uma fonte inspiradora estamos estudando e acolhendo as propostas do livro Pastoral da Ecologia e do Meio Ambiente do Pe José Carlos Pereira e Rodrigo Cerqueira N. Borba.

Nosso convite e desejo é que as nossas comunidades, famílias, jovens, adolescentes, crianças, e todo povo de Deus nos acompanhem neste processo de conscientização, numa verdadeira espiritualidade ecológica, ecumênica, dialogal, sinodal e que as ações das nossas pastorais, movimentos e ministérios em parceria com outras instituições tenham mais atitudes sustentáveis de cuidado com o ambiente e com o próximo. Mesmo que pequenas, nossas ações podem fazer diferença, como dizia Santa Tereza de Calcuta: “O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor”.

“Não podemos dizer que amamos a terra e depois darmos espaço para destruir seu uso pelas próximas gerações.” (São João Paulo II)

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