A pandemia da Covid como tempo oportuno

6 de julho de 2021

Pe. Paulo Adolfo Simões
Presbítero da arquidiocese de Pouso Alegre
Secretário executivo do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Camara” – CEFEP / CNBB

De tempos em tempos a história nos oferece oportunidade de rever nossa caminhada, seja a pessoal ou a coletiva. Quando irrompeu a pandemia da Covid 19 em 2020, mal sabíamos que estávamos iniciando um desses tempos oportunos. Passados quase dois anos dessa eclosão catastrófica, estamos mais cientes de que o que decidirmos agora marcará nossa história pessoal, institucional e humana para os próximos tempos.

Antes de seguir, no entanto, é necessário manifestar aqui o pesar por mais de meio milhão de vidas perdidas em nosso país. É preciso manifestar pesar e repúdio veemente. As mais de 520 mil vidas perdidas até a conclusão deste texto impactam outros milhões de vidas. Impactam a sociedade e a economia. O dano humano e econômico é tão grande que psicólogos e psiquiatras falam que levaremos uma geração inteira para superá-lo. São projetos, sonhos, contribuições culturais, espirituais e materiais perdidas; cada vida perdida tinha muito ainda a oferecer aos seus e a todos nós. As sequelas psicológicas e físicas também são muitas para os sobreviventes, sejam os enlutados seja para os recuperados da coronavírus. Não é exagero dizer que vivemos um holocausto. E tudo se agrava por não termos feito um luto nacional e oficial por tantas perdas humanas. Ao invés disso a autoridade maior do país minimizou a tragédia como se fosse apenas perda econômica: ”CPF cancelado”!

Continuando a reflexão, estamos em meados de 2021. No entanto, desde o início de 2020 parece que se passou uma eternidade, um pesadelo sem fim. Vivemos esse intervalo atordoados pelas notícias e informações desconexas, sem entender o que acontece de fato. Começamos a ler e ouvir algumas análises: “Uma tempestade perfeita que temos de atravessar” (Carta ao povo de Deus – dos 152 bispos). Biólogos e ecologistas renomados, na linha do pensamento do Papa Francisco na encíclica Laudato Si, apontam que vivemos a clara consequência do desequilíbrio natural causado pela ação humana predatória.

A ganância e o desejo de lucros falam mais alto que o cuidado. Os analistas sociais dizem que a pandemia em si não é uma crise. Mas que potencializa múltiplas crises que já vivíamos a algum tempo: crise ecológica; crise econômica do sistema capitalista que fracassou em sua promessa de fazer a “distribuição do bolo”; crise política da democracia liberal representativa – sobretudo a brasileira – na qual a cidadã e o cidadão são, autoritariamente, relegados ao papel de simples eleitores; crise das políticas públicas, sobretudo da saúde pública da qual os mais pobres dependem exclusivamente. Até o início da pandemia da covid ainda se falava em privatizar o SUS!

Para nós cristãs e cristãos, a pandemia veio em forma de uma catástrofe maior. Atingiu de forma impiedosa a maneira como vivemos e expressamos nossa fé. O isolamento social apontado pela ciência e pela racionalidade como forma de evitar do contágio pelo temível coronavírus impediu-nos da vivência comunitária. Passado o susto inicial começamos a reagir: ministros ordenados, padres e bispos, começamos numa saga sem fim de transmissões remotas dos sacramentos e sacramentais. Cristãos leigas e leigos, sobretudo jovens, empunharam a bandeira do “Devolvam-nos a Missa”. Reclamaram com o clero como se fosse esse a fazer o sequestro das reuniões presenciais, e não a ciência e o bom senso. Tudo compreensível em épocas tão novas e conturbadas.

Como a tempestade perfeita não deu sinais de arrefecer descobrimos, enfim, o que a tecnologia já nos possibilita há mais de uma dezena de anos: as reuniões remotas, os “ao vivos” (as lives) e outras modalidades. Desta forma, em certa medida, o teimoso passado foi, temporariamente, vencido e um futuro tardio chegou para as Igrejas e religiões como um sol de inverno, meio desmaiado, que surge somente ao meio dia. O que será dessa experiência com as tecnologias da comunicação, a próxima esquina da história nos dirá, como fada ou como bruxa.

A pandemia certamente passará, seja como tempestade perfeita, seja como vitória da ciência ou sua derrota ante o negacionismo que ora vemos, ainda bem que reduzido a uma pequena multidão, embora empoderada. O que não passarão são as conclusões que tiraremos desse tempo oportuno. Essas marcarão o nosso futuro seja como êxito, seja como fracasso. Uma coisa já é inegável: a crise pandêmica, assim como no caso das tecnologias da comunicação, projetou-nos, sem perguntar se o desejávamos, no futuro.

Por fim, não sei se alguém mais percebeu, mas quando tudo nos foi tirado, em nossa vivência de fé, pela pandemia, restaram-nos duas coisas: a Palavra e a solidariedade. Talvez sejam as coisas essenciais para a vivência religiosa de toda e qualquer pertença e devêssemos continuar com elas no centro…

 

 

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