#Reflexão: 14º Domingo do Tempo Comum (07 de julho)
Leituras:
1ª Leitura: Ez 2,2-5
Salmo: 122(123),1-2a.2bcd.3-4 (R. 2cd)
2ª Leitura: 2Cor 12,7-10
Evangelho: Mc 6,1-6
JESUS MOTIVO DE ESCÂNDALO ENTRE OS SEUS
Domingo passado celebramos dois grandes homens da Igreja: São Pedro e São Paulo. Tiveram origens diferentes (um pescador ou mestre da Lei), mas depois se tornaram instrumentos fundamentais para o projeto de Jesus Cristo de iniciar o seu reino neste mundo. Pedro foi um grande sinal de firmeza na fé e Paulo foi aquele que espalhou a Boa Nova a todas as nações. Tudo nasce da fé de Pedro que reconhece Jesus como alguém totalmente diferente de tudo que esperavam: Messias e Filho de Deus.
Neste domingo, retomamos o Evangelho de São Marcos. Vimos em outras celebrações como o segundo evangelista propõe um caminho de fé onde cada fato é uma oportunidade para conhecer melhor quem é Jesus Cristo. O povo foi aos poucos descobrindo e aderindo aos seus ensinamentos e a fé aos poucos foi brotando como resposta ao novo ensinamento pregado por Nosso Senhor, mas muitos, mesmo já conhecendo Jesus tiveram dificuldade de acreditar no novo que Ele pregava e as obras que Ele operava.
Jesus, para iniciar sua missão, deixou a região da Galiléia e a cidade de Nazaré onde morava e foi para região da Judeia se encontrar com João Batista no rio Jordão. Após o Batismo, Jesus retorna para Galiléia, mas não vai morar em Nazaré (sua terra), Ele passa a atuar ao redor do lago de Genezaré (chamado por Marcos de Mar da Galiléia). Nazaré era uma vila, segundo estudiosos, que não ultrapassava 1000 pessoas no tempo de Jesus. Já as cidades ao redor do lago eram maiores e Cafarnaum possuía uma grande sinagoga (Mc 1,21; 2,1). Assim, Jesus passou quase todo tempo de sua missão ao redor do lago de Genezaré.
Marcos nos diz que o início da pregação da Boa Nova não foi nada fácil: seus parentes, um dia tentaram impedir que Ele operasse milagres e pregasse, pois achavam que Ele tinha ficado louco (Mc 3,21), queriam levá-Lo para a sua terra, talvez para protegê-Lo de si próprio (estava fora de si); uma delegação também tinha sido enviada de Jerusalém para dar um parecer sobre Jesus e concluíram que Ele operava milagre com a força do mal (Mc 3,22), por fim, seus parentes mais próximos chamados de irmãos e sua mãe também tentaram falar com Ele enquanto ensinava a uma multidão dentro de uma casa (Mc 3,31).
Diante da insistência dos familiares, Jesus decreta quem são os seus “novos parentes”: “Quem fizer a vontade de Deus, esse é o meu irmão, minha irmã e minha mãe” (3,35). Mas, Jesus não se deixou abater pelo desânimo que vinha inclusive daqueles que eram mais íntimos Dele (seus parentes). Continuou pregando o Evangelho e realizando milagres.
No Evangelho deste domingo, Marcos nos diz que Jesus decidiu fazer uma visita aos seus em Nazaré. Assim, Jesus deixa Cafarnaum, talvez a casa de Jairo onde tinha realizado o milagre de reavivamento de sua filha (cf. Mc 5,21-43) e parte fazendo dois dias de estrada entre montanhas e vales da região até Nazaré.
Marcos observa que, junto com Ele, foram também seus discípulos, sua “nova família”. Chegando lá, como bom judeu, todos foram para sinagoga em dia de Sábado. Não sabemos o que Jesus ensinou naquele dia, mas o evangelista Marcos nos apresenta três reações de todos que estavam na pequena sinagoga de Nazaré.
Todos que o escutavam – certamente seus parentes – “ficaram admirados” com aquilo que ouviam da parte de Jesus. Importante lembrar que eles já tinham tido notícias daquilo que Jesus pregava e fazia, mesmo assim, ficaram espantados com tudo.
- Sobre sua sabedoria, perguntaram de onde teria vindo e quem Lhe havia dado. Eles sabiam de todos os particulares da infância e da juventude de Jesus, e sabiam que Ele nunca tinha frequentado nenhuma escola especial e nem estudado fora da região. Muitos talvez frequentaram a escola da sinagoga onde os meninos aprendiam a ler as Escrituras. Jesus não era o mesmo que conheciam. Naquele tempo, um novo mestre trazia o nome de quem lhe havia ensinado, mas Jesus – segundo eles – tinha se tornado Mestre de um dia para outro sem ser instruído por ninguém.
- Sabiam que Jesus era filho de um carpinteiro, sabiam que aquelas mãos eram de um artesão. Este ofício não era muito prestigiado naquela época, pois a cultura de riqueza e estabilidade familiar entre os mais simples estavam ligadas ao cultivo da terra. Esta era deixada como um grande bem para os filhos. Fabricar pequenos móveis dependia sempre da necessidade das pessoas que solicitavam algo de vez em quando. Sua profissão familiar não tinha passado promissor e nem futuro garantido.
- Por fim, relatam conhecer muito bem Jesus: Sua mãe, seus parentes mais próximos (chamados de irmãos e irmãs) inclusive são citados nominalmente (alguns nomes das tribos de Israel). Para eles, Jesus não tinha nenhum parente ilustre no passado e nem no presente; Ele possuía uma profissão que dependia da solicitação das pessoas e nunca teve estudo para falar o que estava fazendo. Para eles, Jesus só podia estar fora de si.
Nas próprias palavras dos parentes incrédulos, eles relatam ter consciência que Jesus não somente ensinava de uma forma que eles se espantavam, mas também operava grandes milagres com suas mãos. A conclusão que chegam é o espanto e a incompreensão diante de Jesus, pois Ele não correspondia ao esquema que eles esperavam para o “filho de Maria” (não citam o seu pai, pois já estaria morto). O Deus que Jesus apresenta a todos (e também aos seus parentes) não coincidia com a forma que todos os mestres da religião da época ensinavam (um Deus da perseguição, da punição, da vingança…).
Jesus ensina nas casas e nas praças, e não no templo e nos lugares sagrados, um Deus Pai e da família e não um Deus fechado nos lugares sagrados.
Jesus é visto como um mestre sem títulos e de calos na mão (profissão carpinteiro). Que conta histórias de Deus ligadas a terra, a vida familiar, ao dia a dia das pessoas e não sobre as práticas religiosas tão valorizadas pelos fariseus e sacerdotes. Escandalizava a simplicidade de Deus apresentado por Jesus (Ermes Ronchi).
Ao se dirigir aos seus parentes e lá oferecer a mesma oportunidade que já tinha proporcionado a tantas outras pessoas, Jesus dá também a eles a mesma oportunidade de conversão e de adesão ao seu projeto de Reino de Deus. Se Ele tivesse já iniciado em Nazaré, certamente, O teriam “acorrentado” na pequena vila para não “escandalizar” as outras vilas e cidades. Se de uma parte, os parentes de Jesus conheciam muito bem o seu passado, aquilo que eles estavam vendo (os milagres) e ouvindo (ensinamento com uma autoridade própria) deveriam pelo menos despertar a curiosidade de saber mais sobre o que Jesus ensinava e se deixar questionar sobre o poder de Deus que Ele operava. Mas, preferiram ficar fechados em suas ideias e esquemas.
Jesus, entristecido com tudo, afirma algo que conhecemos nas Escrituras: ninguém consegue ser profeta em sua terra e entre seus parentes.
Muitos séculos se passaram, mas ainda hoje Jesus não é aceito totalmente pelas pessoas e até mesmo por aqueles que demonstram certa fé e proximidade com Ele. Muitos se deixam atrair por “alguns aspectos” de Nosso Senhor como poder de operar milagres, enfrentar o mal, de curar as pessoas etc.
Mas, o mesmo Jesus que realiza tudo isto também chama todos para partilhar os dons que cada um possui, convida a uma vida de perdão e simplicidade, da não violência e a prática da misericórdia. Jesus pautou sua vida pregando a caridade, a solidariedade, a acolhida e o amor.
O centro de tudo sempre esteve a pessoa humana e não os rótulos (pecador, assassino, pobre, rico, judeu, estrangeiro…) e outras divisões e diferenças que criamos entre nós. Muito mais em relação aos milagres, certamente os parentes de Jesus se escandalizavam com seus ensinamentos, particularmente, como mostrava ser o Nosso Deus e o seu rosto bonito de misericórdia.
O profeta Ezequiel tinha consciência da sua difícil missão entre o seu próprio povo que, não obstante a fé e a religião que todos tinham em comum, a maioria tinha criado seu próprio modo de acreditar e praticar a fé. O próprio Deus ao falar para o profeta chama todos de “Nação de rebelde”, “filhos de testa dura e coração insensível”. Um povo que tinha se fechado em seus esquemas pessoais de fé e uma religião individual, mas que não percebia que um profeta estava no meio deles, da mesma forma que os familiares de Jesus não foram capazes que descobrir que não se tratava de um parente que eles estavam ouvindo e vendo, mas o próprio Filho de Deus.
Paulo na segunda leitura nos dá o exemplo do verdadeiro cristão que mesmo no sofrimento, na dor e nas perseguições, reconhece a grandeza de Deus e a força de sua fé. Quando Paulo se sente fraco, aí é que sente mais e mais a força de Deus.
Na sinagoga entre os seus, os parentes se espantaram e depois se escandalizaram por causa de Jesus. Ele também se espanta, mas pela falta de fé daqueles que deveriam estar alegres e felizes pela inauguração do Reino como os milagres e o Novo Ensinamento. Que nós não sejamos também motivos de escândalos para outros irmãos e aqueles que não creem, mas sim alegria e motivo de abraçar com mais profundidade a fé em Jesus Cristo.