Secretário-geral da CNBB reitera que os bispos não estão privando os fiéis dos sacramentos
Dom Joel Portella ressaltou que a pandemia é uma situação excepcional que, embora impossibilite temporariamente a participação na Eucaristia, é uma oportunidade para intensificar a vivência fé e do amor ao próximo.
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Joel Portella Amado, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro e Secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), falou sobre os impactos da pandemia da COVID-19 na vida da Igreja, especialmente pela impossibilidade de os fiéis participarem da Eucaristia.
O Bispo reconheceu que muitos católicos sofrem e até não compreendem as suspensões de missas públicas na maioria das dioceses brasileiras, mas, ao mesmo tempo, convida os fiéis a verem o distanciamento social também com os olhos da fé.
Ainda segundo Dom Joel, os bispos também sofrem pela impossibilidade deo povo não poder participar presencialmente da Eucaristia. De igual modo, preocupam-se com o avanço do novo coronavírus e seus dolorosos impactos na vida da população.
Por fim, o Secretário-geral acredita que o grande fruto que os católicos colherão após a pandemia será a maior valorização e dos sacramentos, assim como uma compreensão mais profunda do significado do amor ao próximo. Confira a íntegra da entrevista:
O SÃO PAULO – Que resposta o senhor dá para as pessoas que sofrem com a falta dos sacramentos e pedem para que possam voltar a celebrá-los?
Dom Joel Portella Amado – É bonito ver o amor por Jesus e, consequentemente, o amor pelos sacramentos. Porém, é necessário fazer uma distinção quando lidamos com a não participação sacramental. Trata-se do motivo pelo qual esta participação não acontece. A diferença está entre querer e entre poder participar. O primeiro caso é daquela pessoa que, podendo participar, não o quer. O segundo caso é o daquela pessoa que, querendo participar, não pode. O atual distanciamento social se encontra no segundo caso, o de quem quer, mas não pode. E não pode por questões de saúde pública.
Por isso, minha resposta a essas pessoas é que vejam o distanciamento social também com os olhos da fé. Não se trata apenas do distanciamento presencial em relação aos sacramentos, mas também em relação às reuniões regulares da comunidade eclesial, às outras formas de oração. O amor a Deus é para o “sim” e para o “não”, ou seja, para fazer algo ou para renunciá-lo. É claro que é mais compreensível quando se trata de renunciar a algo negativo. Já quando se trata de deixar de comungar ou não poder se confessar, essa situação é mais difícil de compreender, podendo gerar atitudes marcadas pela tristeza ou até incompreensão.
Algumas pessoas dizem até que os bispos estão privando os fiéis dos sacramentos…
Não são os bispos que estão privando a recepção dos sacramentos. Os bispos estão seguindo as orientações de saúde pública. Sofrem com isso. Tenho acompanhado o testemunho de vários bispos, angustiados por não poderem dar ao seu povo o atendimento desejado. Mas, é o que se pode fazer em um momento em que não existem remédio, vacinas e condições de tratamento (leitos, respiradores etc.). O convívio social é, neste tempo de pandemia, fonte de contaminação e uma pessoa, com a melhor das intenções, pode se tornar instrumento de contaminação. Que contradição alguém querer participar dos sacramentos do Amor e acabar levando a si ou a outrem à doença e à morte!
Como Igreja tem buscado enfrentar esses momentos difíceis?
A Igreja está fazendo o que é possível para atender pastoralmente os fiéis. A experiência que vai se construindo dia após dia, com a pandemia, tem feito surgir várias situações novas, formas de atendimento que não existiam antes. Estamos vivendo e discernindo.
Mais do que apenas se queixar da ausência da participação presencial costumeira nos sacramentos, é preciso ver que estão surgindo, com o acompanhamento dos bispos, formas momentâneas de participação na Eucaristia e na Reconciliação. Os padres não estão deixando de celebrar nem de atender. Quem já não viu, por exemplo, a notícia de atendimento de confissões no sistema drive-through? É uma resposta pastoral a ser observada e, passada a pandemia, avaliada para os tempos posteriores.
Entendo que nós, pessoas do século XXI, não passamos por pandemias e, por isso, corremos o risco de não compreender bem o que isso significa. Mesmo doenças mais recentes, como é o caso da dengue ou das outras transmitidas pelo mesmo mosquito, não são pandemias. Elas não atingem todos os lugares e todas as pessoas, indistintamente. Por isso, se você quer os sacramentos, mas não pode, tenha a certeza de que Jesus está ao seu lado. Ele conhece bem a cada um de nós.
Qual é maior preocupação do senhor, como bispo, neste momento?
A maior preocupação que hoje tenho é a de que a pandemia não cresça. E crescer aqui tem vários sentidos. Primeiro, é claro, que não cresça em número de pessoas contaminadas. Por isso, ressalto o valor da recomendação sanitária de distanciamento social. Não podemos permitir que a curva dos infectados cresça a ponto de gerar o esgotamento do sistema de saúde, como já estamos assistindo em algumas localidades do Brasil.
Segundo, que a pandemia não se torne politizada, isto é, que os responsáveis pela condução do país, nos três níveis, federal, estadual e municipal, além das demais autoridades de saúde, não se engalfinhem, ainda que por palavras e notícias, esquecendo-se de que, no momento, é crucial preservar e salvar vidas.
Pode acontecer que, diante de uma doença nova, existam compreensões científicas diferentes para o enfrentamento. Essas diferenças, contudo, podem e devem ser resolvidas no diálogo científico. Quando os embates começam a surgir por outras razões, passando-se então para o embate político, isso significa que foi ultrapassada a linha do bom senso e do respeito à vida.
Terceiro é o aumento da “pandemia da pobreza”. Nosso país tem índices graves de vulnerabilidade social. Após e mesmo agora durante a pandemia, precisaremos enfrentar a “pandemia econômica”, com as inúmeras questões que lhe são próprias: geração de renda, recuperação dos trabalhos, situações de fome com a ausência total de alimentos etc.
Como, então, vivenciar a fé em meio a essa crise?
O segredo, a meu ver, está na própria pergunta: vivenciar a fé. Nossa fé é essencialmente comunitária, fraterna, convivial, presencial. O distanciamento, repito, é uma exceção, que gostaríamos de já ver terminada, embora vislumbremos ainda algum tempo pela frente.
Um dos aspectos que me fascina no cristianismo é a possibilidade de viver a fé em qualquer situação. Tenho pensado muito nos cristãos perseguidos, impedidos por longos anos de portar consigo até mesmo um pequeno sinal de fé. Lembro dos padres e bispos que, na prisão, não podem celebrar a Eucaristia. Nem por isso, deixaram de viver a fé. Ao contrário, santificam-se porque se agarram ao que lhes é possível fazer.
Viver a fé não pode estar restrito apenas à participação sacramental. Esta participação está ligada a todo o restante da vida, de modo especial, ao amor que é praticado. Alimentamo-nos dos sacramentos para viver o amor a Deus e ao próximo, empenhando-nos pela prática da caridade e da solidariedade. Lembro-me agora da palavra de São Paulo aos coríntios: “ainda que eu conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, mas não tivesse amor, eu nada seria” (1 Cor 13,2).
Por isso, viver a fé em tempos de pandemia significa encontrar novas formas de praticar o amor ao próximo. Para tanto, aí está a internet com todo os recursos que ela disponibiliza para nós. Viver a fé é também estabelecer contato virtual com outras pessoas, para rezar juntas, em especial as solitárias. Vi uma reportagem de uma família com crianças pequenas. Dentre as brincadeiras, uma delas é desenhar. O desenho é digitalizado e enviado para outras pessoas como sinal de carinho, de fraternidade. Todos nós conhecemos os artistas que fazem apresentações musicais nas varandas, os aplausos aos profissionais de saúde etc. Tudo isso sem sair de casa.
Quando, enfim, pensamos que a vivência da fé nos leva ao amor ao próximo, a perspectiva muda muito. Sempre é possível amar e servir.
Que frutos os católicos poderão colher quando tudo isso passar?
O grande fruto, neste aspecto bem específico, consiste em aprender a valorizar mais os sacramentos e ajudar as outras pessoas a conhecer e igualmente amar os sacramentos.
A partir daqui, são inúmeros os caminhos, como, por exemplo, engajar-se em alguma ação missionária, que, em termos presenciais só poderá ser depois que o distanciamento social acabar, ou virtual, já agora, apresentando Jesus Cristo e, a partir dele, a importância do amor, do serviço e do anúncio.
Outro ponto é que nossas comunidades são convidadas a saírem mais maduras na prática da iniciação à vida cristã, com projetos e propostas de inspiração catecumenal, para que se conheça mais Jesus Cristo e a Igreja.
Importa não restringir a vida cristã ao seu ápice, que é a participação sacramental. Uma montanha não tem apenas o topo. Desse topo se avista muita coisa e é bonito estar no topo, contemplando o horizonte. No entanto, a montanha tem outras belezas que também devem ser apreciadas. Quando alguém corre demais para chegar ao topo da montanha, acaba por não apreciar o que está pelo caminho. Quando alguém, por diversos tipos de limitação, não consegue chegar ao topo, deve apreciar o que está ao redor.
Os católicos, por fim, são convidados já agora a reverem suas motivações para não participar dos sacramentos. E essas são algumas vezes muito banais: preguiça, acomodação, não querer se converter permanecendo em atitudes de pecado. A situação excepcional leva a valorizar a normal. Se hoje quero, mas não posso, devo aprender a valorizar as situações em que posso, mas, seja lá por qual razão for, não quero.