Sermão do Encontro: resposta de vida pelo caminho

5 de abril de 2023

Em Pouso Alegre (MG), na Praça Senador José Bento, em frente à Catedral Metropolitana, ontem (4), às 20h30, aconteceu o encontro das procissões com as imagens de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores. Participaram do evento fiéis das paróquias Bom Jesus, Imaculado Coração de Maria e Nossa Senhora de Fátima. Dom José Luiz Majella Delgado, C.Ss.R., arcebispo metropolitano, e clérigos estiveram presentes. Padre Leonardo Almeida Pereira, vigário da paróquia Bom Jesus, proferiu o Sermão do Encontro. Leia na íntegra a reflexão.

 

O encontro…

Era o meio do caminho. Gritos, açoites, gargalhadas, lágrimas, a poeira que encobria tudo.

Era o meio do caminho. Um caminho estranho, de condenação, um caminho de morte.

Era o meio do caminho. O que aconteceria no meio deste caminho?

No meio do caminho, uma voz forte. A voz de uma mulher. Ela aproximou-se do Homem da Cruz e disse apenas: “Estou aqui”.

No meio do caminho, o silêncio! A mulher sentiu o cheiro da dor, a mulher tocou com os lábios a sagrada dor, ouviu as batidas do coração onde a dor estava. Quando se olharam, Deus chorou: a mulher, Maria Santíssima; o Homem da Cruz, Jesus, o Filho de Deus.

No meio do caminho, a lágrima de Deus fecundou de sentido o sofrimento.

No meio do caminho é preciso contemplar!  (música).

No caminho de tantas dores,
Ao contemplar-te tão longe,
Meu querido menino,
Agora o Homem da Cruz,

Eu sou tua Mãe, que te abraça,
Toca tua dor, teu coração.
Acolhe-te em teu sofrimento
A dor de cada irmão.

O teu sorriso tão sereno
Agora em lábios fechados
Sem palavras e expressões
Imóvel sob a cruz.

Eu sou tua Mãe, que te abraça,
Toca tua dor, teu coração.
Acolhe-te em teu sofrimento
A dor de cada irmão.

O teu olhar de compaixão
Agora envolto em trevas
Vê-me com esperança:
Sou tua Mãe e estou aqui.

Contigo estarei no calvário
E te abraçarei na cruz.
Não te abandonarei jamais,
Ó meu querido Jesus!

Maria, no meio do caminho, ensina que a Igreja precisa aprender a virtude da contemplação do sofrimento humano. A contemplação nos permite alcançar o coração do homem, com suas misérias e fragilidades. A contemplação torna nossas ações criativas. Quando se depara com um mundo emudecido pela dor, quando se vê uma geração sem futuro se desenvolvendo e uma crise de valores ligada ao vazio, a Igreja precisa ser uma presença de esperança, que estimule o acontecimento da vida.

A Igreja no mundo tem que ter uma voz forte, como a mulher no caminho – Maria de Nazaré. Uma voz forte que proclame “Estou aqui”! Precisamos ouvir a voz da Igreja, como a voz de Maria naquele encontro.

A voz da Igreja é a voz da misericórdia, a voz da esperança, a voz de quem acolhe, a voz do amor. Mas a dor do mundo tem exigido de nós, cada vez mais, uma voz forte, uma voz mais eficaz, palavras mais sábias que cheguem ao coração, tão destituído de sentido.

Não basta a contemplação, a Igreja precisa subir o Calvário! Da contemplação à experiência!

A subida do Calvário aponta para os encontros com os vários calvários humanos. No calvário, histórias se encontram: a mulher que com o pano de grandes afetos enxugou o rosto; as quedas; o pai de Rufo e Alexandre que tomou para si frações do sofrimento do Homem da Cruz; as mulheres que pranteavam; a mulher “enferma de amor”; o discípulo do amor e a Mulher do meio do caminho, que subiu o Calvário acompanhando a história e a vida que nasceram de seu ventre.

A Igreja, quando abre suas portas, pisa o chão de tantos calvários e sente as estruturas desordenadas do ser humano. Com as portas abertas, a Igreja consegue estar para a beleza e para a verdade da vida, despontando para a sua missão de ter iniciativa salvadora.

Maria, que abraçou o calvário de seu Filho, nos interroga: o que a Igreja tem feito com os sofrimentos? Esta é uma pergunta para todos nós: o que temos feito com os sofrimentos que se descortinam diante de nossos olhos?

Se os calvários de hoje nos assustam e o nosso agir se torna estéril, precisamos nos reconstruir na fé, na esperança e na caridade.

No calvário de tantos homens e mulheres, a Igreja já abraçou a dor do outro, continua a caminhar junto, chora com o outro e não abandona.

E assim, com as portas abertas e pisando o chão da vida humana, a Igreja percebe que a transitoriedade da existência humana é um estímulo para a sua atuação neste mundo.  Uma atuação que abrace os limites da condição humana.

A Igreja é aquela que persevera nos calvários, resgatando o potencial criativo de cada pessoa e ao seu caráter de ser único, pois cada experiência de vida é intransferível. Em cada vida e em cada história, há a possibilidade de sentido, mesmo que continuemos contemplando homens e mulheres crucificados. A intencionalidade eclesial é a de resgatar o sagrado presente em cada ser humano.

A Igreja quando abre suas portas, participa da vida, é capaz de receber, de apreciar e oferecer. A Igreja se santifica e santifica o mundo.

Diante de uma restrição muitas vezes impiedosa, do homem em sua miséria, no seu vazio e na inconsolável dor de existir, a única possibilidade é a atitude, o posicionar-se interiormente – isto acontece quando a Igreja, com seus esforços, alcança o interior humano tão escondido na desfiguração exterior.

Os movimentos do Espírito entrelaçados ao agir humano tiram a névoa que nos impede de ver o existir na sua individualidade e interioridade.

Não bastam a contemplação do sofrimento e caminhar pelo calvário humano. É preciso gerar a vida.

Como gerar a vida diante de uma cena que nos comove e nos leva ao encontro de nossas dores? O sofrimento pode ser superado temporariamente quando a vida tem um propósito.

Esta cena do encontro, envolvida pela dor, pelo silêncio, pelo cansaço, próprios do sofrimento, grita a nós: apesar disto, a vida tem um sentido e um propósito.

O encontro no meio do caminho, a subida para o calvário, a crucificação e morte têm um propósito, um sentido de ser!

Hoje há muito sofrimento que precisa ser resgatado! E, neste resgate, encontrar a vida escondida! E ainda, a vida espera algo de nós! E sempre há um ser humano sofredor nos esperando! Precisamos nos dar conta desta responsabilidade.

Os homens crucificados estão ao nosso lado! Os homens crucificados somos nós!

A Igreja, como a Senhora Dolorosa, é a mãe da vida, a mãe que nos carrega em seus braços em nossos calvários! A Igreja é a mãe que enxuga nossas lágrimas, que cura nossas feridas, que mata a nossa sede e fome de sentido!

Ao contemplarmos esta Igreja, nesta noite, quando recordamos o encontro, lembremos que a Igreja será sempre interrogada pela vida e à vida deverá responder. Continuemos, como Igreja, não mais no meio do caminho, mas andemos pelo caminho da vida, e que o nosso existir seja sempre uma resposta…

… Uma resposta de vida!

 

 

Veja o encontro das imagens de Nosso Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores:

 

 

Imagem destacada e vídeo: Débora Maria Lemos Faria e Wellington Lelis (PASCOM Catedral)