A proposta espiritual do papa Francisco para um mundo desintegrado
“O tempo é superior ao espaço”.
Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium
Depois do flagelo da pandemia, a guerra! Um terceiro conflito mundial? Muitos analistas de geopolítica internacional afirmam que o atual conflito da Rússia contra o Ocidente, que tem como palco a Ucrânia, é apenas um dos sinais de reorganização da governança mundial. Dizem esses analistas que assistimos a uma grande novidade: o possível desenho do imperialismo internacional multipolar, ou seja, com o poder mais distribuído entre vários países. “Coisa boa, coisa ruim, quem é que sabe”?, diria dom Valfredo Tepe, que foi bispo de Ilhéus na Bahia. O povo ucraniano está apenas pagando o preço dessa reorganização internacional. Como em todas as guerras, o povo inocente paga pelas decisões dos grandes. A verdade é que mais do que nunca o futuro parece incerto.
Assim, a pergunta que se impõe é: como nós, pessoas religiosas e cristãs, podemos contribuir, a partir de nossa fé e de nossa espiritualidade, com a reconstrução do mundo nesse contexto de sofrimentos e incertezas? Somos chamadas e chamados a ser gente da esperança sempre! É preciso lembrar ainda, que, para aquém das grandes questões da política e geopolítica, temos as inúmeras dificuldades da própria comunidade, de nossas famílias e as pessoais. A constatação que fazemos é que nosso tempo se apresenta como um tempo de desintegração. Não é só a governança global que ora se esfarela a olhos vistos. Também se desintegra nosso projeto de país inclusivo e desenvolvido: nossas comunidades religiosas e sociais e o nosso “eu” mais íntimo sentem-se partidos em muitos pedaços. Como cristãs e cristãos católicos, sofremos as dores do fim da cristandade que por séculos nos dava uma certa segurança.
Para apontar algumas pistas à questão anterior faço uso de um artigo da teóloga leiga Lúcia Pedrosa, publicado na revista Cultura Teológica em março de 2021. Sim, há teólogos e teólogas leigos como Lúcia Pedrosa, Ivenise Santinon, Celso Carias e eles estão em nosso meio. Esses três contribuem com a Comissão para o Laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O texto de Lúcia Pedrosa, intitulado “Linhas-força da espiritualidade do Papa Francisco: uma reforma a partir de dentro da Igreja”, tem algo a dizer no contexto descrito acima. Nele, a autora indica a espiritualidade do magistério do papa Francisco como uma proposta integradora que convida, mais que a própria Igreja, a cada pessoa cristã a voltar, sem medo, à essência de sua fé que é o Evangelho. Essa seria uma contribuição dele com o mundo. Lúcia Pedrosa aponta inicialmente que o papa faz uma denúncia constante e bem fundamentada de espiritualidades desintegradoras que não estão fundadas em Jesus Cristo. Nas exortações apostólicas Evangelii Gaudium (2013), especialmente números 93 a 97, e Gaudete et Exsultate (2018), ele aponta, sobretudo, os novos “gnosticismos” e “pelagianismos” como perigosos. Em seguida, descreve “As cinco Linhas-forças da espiritualidade de Francisco”, que são:
1. O Evangelho, fonte do caminho espiritual multidimensional: uma espiritualidade centrada no coração do Evangelho;
2. A formação de verdadeiros sujeitos na Igreja e na sociedade: a construção de sujeitos ativos eclesial e socialmente;
3. O visível e invisível integrados e coerentes, que procura superar, por um lado, uma espiritualidade desencarnada e, por outro, um ativismo cristão sem mística;
4. A oração e contemplação como alimento das motivações profundas, propondo um “reconectar-se” com um Deus amor, que tem um plano para a humanidade, o Reino dos Céus; aqui, o papa propõe, a escuta da Palavra revelada, do povo e da natureza – criação;
E, por fim:
5. A cura das relações e a reconstrução dos vínculos, a partir dos pobres, como caminho espiritual concreto.
Este texto quer, na verdade, fazer um convite a uma leitura reflexiva do artigo citado, que se encontra disponível no site da Revista de Cultura Teológica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Em tempos de desintegração e de incertezas, é preciso entender, como o papa Francisco, que o “tempo é superior ao espaço” e que é preciso construir pontes e não muros.
A imagem destacada da notícia traz um dos encontros do papa Francisco na Casa Santa Marta. Autoria: Vatican Media.