Igreja e sociedade, um diálogo possível
Pe. Paulo Adolfo Simões
Presbítero da arquidiocese de Pouso Alegre
Secretário executivo do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Camara” – CEFEP / CNBB
É possível um diálogo entre Igreja e sociedade? Essa pergunta logo aparece quando tratamos desse assunto. E a resposta é uma só: é tão possível quanto necessário para que a Igreja continue sendo cristã. Afinal, Jesus Cristo, sendo Deus, foi um homem de diálogo, e de diálogo amplo. Nunca se furtou a conversar, no sentido mais profundo do termo, seja com quem tinha um pensamento próximo ao seu, como seus familiares, seus seguidores ou com seus admiradores mais críticos, dentre eles os fariseus. Entretanto, Jesus foi mais longe, dialogou também com os opositores mais ferrenhos do seu projeto de Reino de Deus, como os mestres da lei, os saduceus e os herodianos. Dialogou mesmo com aquelas e aqueles com os quais sua religião, a judaica, proibia conversar: samaritanos e estrangeiros. Enfim, Jesus foi homem – Deus do diálogo. Como, aliás, não poderia deixar de ser, uma vez que, segundo o discípulo amado e evangelista João, Ele é a Palavra de Deus feita carne. Foi através dele que a Trindade dialogante criou o universo e estabeleceu, de diversas formas, diálogo com a obra criada (Hb 1,1).
A arquidiocese de Pouso Alegre, conduzida pela sabedoria de Dom Majella, vive seu primeiro processo de Sínodo. Ao mesmo tempo em que o Papa Francisco propõe para a Igreja toda um sínodo sobre sinodalidade e para a América Latina e o Caribe uma Assembleia Eclesial. O Papa, de forma surpreendente, mudou recentemente o processo do sínodo sobre a sinodalidade tornando-o mais profundo, mais abrangente e mais dialogante, privilegiando sobretudo a escuta.
O caminho sinodal tem a marca fundamental de ser dialogal, de dar voz a todas e a todos. A Igreja que se põe em sínodo põe-se numa experiência na qual todas as vozes deverão ser ouvidas e acolhidas. O sínodo abre um caminho fraterno e fraternal, que supera o caminho da autoridade e que seja patriarcal. Segue o modelo que Jesus em relação à Lei Judaica, à qual diz dar pleno cumprimento (Mt 5.17-19).
O Papa Francisco, quando propõe uma Igreja mais sinodal, entra na senda do Concílio Vaticano II. Esse 21º Concílio Ecumênico, convocado por São João XXIII, selou definitivamente a amizade da Igreja com a modernidade e a sociedade contemporânea. Em sua constituição Pastoral “Alegria e Esperança”, ou “Gaudium et Spes”, afirma, logo no seu início: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as ansiedades dos homens desta época, especialmente aqueles que são pobres ou de alguma forma aflitos, estas são as alegrias e esperanças, as tristezas e ansiedades dos seguidores de Cristo”. Desta forma, os padres conciliares selam o diálogo iniciado sob Leão XIII, há 130 anos, com a primeira encíclica social, a Rerum Novarum, presenteada à Igreja no ano de 1891. Com a Rerum Novarum, a Igreja Católica retomou o diálogo com a sociedade em chave de olhar atencioso e de amorosidade para com os mais pequenos e empobrecidos dessa sociedade. Ou seja, a Igreja coloca no centro os pobres, como Jesus o fizera em sua caminhada. Com isso, afirmo que a experiência de uma Igreja dialogal, à exemplo do próprio Jesus, seu único mestre e Senhor, segue nos últimos tempos três grandes passos: a Rerum Novarum – as realidades novas das operárias e operários, o Concílio Ecumênico Vaticano II e o pontificado do Papa Francisco.
Em sua última encíclica, a Fratelli Tutti – um marco do ensino social dos papas – Francisco afirma que a Igreja deve dialogar em três âmbitos externos a si mesma: com os governos, com a sociedade e a cultura e, por fim, com as outras Igrejas e com as outras religiões. O Concílio Vaticano II lançou as bases para esse diálogo em tempos de modernidade. Se com a Gaudium et Spes propõe o diálogo com a sociedade tendo um olhar atencioso aos empobrecidos, com o Decreto Unitatis Reintegratio assumiu o diálogo com as outras Igrejas Cristãs e com a Declaração Nostra Aetate, propõe o caminho dialogal com as outras religiões. Na sequência do Concílio, todos os papas têm dado consequências a esses documentos, promovendo e incentivando amplo diálogo eclesial, que tem frutificado fartamente.
O que move a Igreja a dialogar com os diversos âmbitos ou aspectos da sociedade é o mesmo motivo que moveu Jesus: a proposta de Reino de Deus como uma experiência de amizade do criador com a criação. Desta forma o diálogo da Igreja com a sociedade quer ser um caminhar juntos na amizade, uma amizade de amor eficaz (FT). Um caminhar que amadurece no diálogo e na afeição de um pelo outro. Um caminhar maduro que permite fazer algumas paradas juntos para tomar uma água, um ar fresco ou mesmo um lanche. Mas nessa parada se reconhece ao outro caminheiro o direito de escolher do que vai se alimentar, ou mesmo a sombra em que se quer ficar e até se quer ir um pouco mais e esperar na próxima parada. Um caminhar que respeita o ritmo do caminhante, o desejo de falar ou simplesmente se calar…
Foto de capa: 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, quando papa Francisco e o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, assinaram o Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum