Um caminho sinodal, um caminho de escuta

10 de setembro de 2021

Pe. Paulo Adolfo Simões
Presbítero da arquidiocese de Pouso Alegre
Secretário executivo do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Hélder Câmara” – CEFEP / CNBB

Talvez a muitos de nossos ouvidos, algumas análises da realidade e propostas que a Igreja tem nos feito ultimamente soem estranhas ou incompreensíveis. Como estranhas e incompreensíveis soaram as palavras de Jesus a muitos dos religiosos do seu tempo. Nos dois artigos anteriores, falei do necessário diálogo da Igreja com a sociedade e das novas possibilidades que a pandemia da Covid nos oferece, apesar de ser um tempo de tribulação. Agora, quero tratar do “caminho sinodal” proposto a um só tempo pela arquidiocese de Pouso Alegre, pelo Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho – CELAM e pelo papa Francisco. Na verdade, são três propostas independentes, para âmbitos eclesiais diferentes (diocese, Igreja latino-americana e caribenha e Igreja Universal), mas o caminho e o fim são os mesmos: o diálogo fraterno, sincero e construtivo para que o Reino de Deus anunciado por Jesus torne-se mais evidente em nosso meio. Em outras palavras: para que possamos nos apropriar, enquanto Igreja – povo de Deus, da proposta salvadora de Jesus.

Quando o papa Francisco propôs um sínodo sobre a sinodalidade, muitos acharam redundante. No entanto, é preciso lembrar que a experiência sinodal esteve muito presente na Igreja em seus primórdios, caiu em desuso na Igreja Latina (Romana), sendo recuperado pelo Concílio Vaticano II. No entanto, tal experiência continuou firme e vigorosa nas Igrejas Ortodoxas presentes no Oriente. Passados quase sessenta anos do Concílio Vaticano II e vividas as experiências de vários sínodos temáticos ou por áreas pastorais (os sínodos continentais, por ocasião do jubileu do Segundo Milênio, o sínodo para a Amazônia), o papa Francisco propõe um caminho sinodal para avaliar, repensar e avançar nesse caminho tão antigo e tão novo! E Francisco já vem fazendo outras propostas sinodais como a própria Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, a Conferência Eclesial da Amazônia, a Economia de Francisco e o Pacto Educativo Global. Quais as novidades que essas propostas trazem? São, sobretudo, a abertura à participação efetiva de categorias de pessoas milenarmente deixadas de fora das decisões eclesiais – o laicato católico, mulheres e homens que são Igreja e que, por mais de um milênio, foram deixados a uma posição passiva, submissa e obediente – também o diálogo com a sociedade como um todo e a cultura contemporânea, representados pelos cristãos e cristãs que já não participam da vida eclesial ou sem pertença eclesial.

Essas propostas podem causar a alguns de nós, além de incompreensões, possíveis e verdadeiras resistências. Essas atitudes são compreensíveis se considerarmos a caminhada histórica da Igreja, que, por mais de um milênio, peregrinou sem escutar a quase ninguém além sua própria hierarquia (uma Igreja ensimesmada, autorreferencial, no dizer do papa Francisco). Caminho sinodal é caminho de escuta, escuta do outro, do diferente, do que tem suas críticas e contestações a apresentar. Por isso mesmo nos incomoda, nos assusta, às vezes, e gera medos que redundam em não aceitação. Mas, sobretudo, é um caminho que se fundamenta na prática de Jesus relatada pelo Evangelho, vivida de forma intensa nos primeiros séculos da fé cristã. É um caminho que traz para o interior da Igreja o colorido natural da rica diversidade cultural querida por Deus.

“Com o lema ‘Somos todos discípulos missionários em saída’, somos chamados a iniciar juntos um caminho em direção à Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. Fazemo-lo como Povo de Deus, em comunhão com o Papa Francisco, que em sua videomensagem de 24 de janeiro de 2021 nos encorajou a percorrer este caminho: ‘Quero estar convosco neste momento e na preparação até novembro… é a primeira vez que isto se faz…. Acompanho-vos com as minhas orações e bons votos, avançai com coragem’! Assim, a nossa Assembleia não é apenas de bispos ou de uma elite, como o Santo Padre também menciona: ‘elites iluminadas de uma ideologia ou de outra’, mas de todo o Povo de Deus. Daí o seu carácter sinodal, que significa literalmente “caminhar juntos”: leigos, leigas, religiosos e religiosas, diáconos, seminaristas, sacerdotes, bispos e todas as pessoas de boa vontade que desejam fazer parte deste caminhar em comunidade”. (Documento do Caminho, Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, n. 1)

Para a Igreja Católica, quer a universal, a latino-americana ou a local-diocesana, fazer um caminho sinodal é pôr-se a ouvir, no sentido completo da palavra, todas e todos. Ouvir os cristãos leigos e leigas, ouvir as mulheres e os homens, ouvir os não participantes, ouvir os de outras pertenças eclesiais e religiosas; ouvir a sociedade, as instituições e as culturas. E poderíamos perguntar-nos: por que devemos ouvi-los, o que têm elas/es a nos dizer? Aos que são batizados, devemos ouvir porque são a Igreja. Aos que não são batizados, porque, se querem dizer algo à Igreja, é porque ela lhes é relevante ou os incomoda e, além disso, o diálogo é sempre uma forma de missão. É preciso ouvir sempre com coragem e com audácia. Coragem e audácia de quem tem segurança em sua própria fé, nas diversas formas de formulá-la, organizá-la e vivê-la, e está disposto a aprofundá-la e purificá-la no diálogo maduro com o outro. Essa coragem e audácia são necessárias para que o caminho sinodal não se restrinja a eventos de estudos da realidade, da teologia e das propostas de ação. mas que se torne uma prática do dia a dia na vida diocesana, paroquial comunitária, das pastorais e movimentos. Uma prática transformadora!

Caminhemos sem medo. Acolhamos o amor do Pai, sigamos o exemplo do Filho, que se fez gente, e deixemo-nos conduzir pelo Espírito de liberdade!