Um pacto para tempos em que a vida vale muito pouco
Pe. Paulo Adolfo Simões
Presbítero da arquidiocese de Pouso Alegre
Secretário executivo do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Hélder Câmara” – CEFEP / CNBB
“Aqui nascer e morrer é muito fácil, o difícil é viver”, dom Pedro Casaldáliga, bispo prelado de São Félix do Araguaia (MT) (1928 – Espanha a 2020 – Brasil)
A frase acima, dita pelo então missionário claretiano catalão, recém-chegado ao Brasil, no final dos anos de 1960, continua atual. Dom Pedro Casaldáliga (ou simplesmente bispo Pedro, como preferia ser chamado) viveu mais de 50 anos no Brasil, na região nordeste do Mato Grosso. Morreu há pouco mais de um ano e repousa sob um pé de pequi, árvore do cerrado, às margens do plácido rio Araguaia, num antigo cemitério do povo Iny/Karajá, conforme seu desejo. Mas o Brasil que ele deixou pouco difere daquele que encontrou quando chegou por aqui no final dos anos 60. Não obstante suas denúncias e poesias, que correram mundo afora, cantadas em prosa e verso e expressas em áudios e vídeos, curtas e longas metragens, teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado, a vida no sertão do Mato Grosso, bem como em todo o Brasil, continua valendo muito pouco.
Hoje, mais do que em outro momento, o Brasil e a vida de seus povos são atacados e correm riscos. Esses riscos se devem a causas estruturais como má distribuição das riquezas, saqueamento dos bens pelas elites econômicas de sempre, incapacidade dessa mesma elite em pensar um projeto de país e falta de consciência do povo em geral de que é espoliado como colônia ainda hoje. Soma-se a esse cenário, já catastrófico, a situação atual de um projeto de governo contrário aos interesses de mais de oitenta por cento da população e que ataca a democracia reiteradamente, como se viu no último dia sete de setembro. Como se não bastasse, padecemos com a pandemia da Covid-19, numa gestão criminosa, marcada pelo negacionismo científico e pela corrupção na compra de vacinas que já levou à perda de quase seiscentas mil vidas de brasileiras e brasileiros.
Mas o problema é bem maior. Está em marcha, desde 2016, um projeto patrocinado pelas elites predadoras do país, cerca de dois por cento dos mais ricos, não mais que 802 famílias, segundo Jessé Souza (SOUZA, 2018). Esse projeto prevê o desmonte dos direitos sociais e da democracia assegurados pela Constituição Federal de 1988 e do Estado Brasileiro, alienando as riquezas naturais e patrimoniais que pertencem ao seu povo. Tal empreitada se faz de braços dados com o capital financeiro internacional, o chamado capital improdutivo, segundo o economista Ladislau Dowbor. Esses grupos financeiros que lucram sem trabalhar querem, além de “carrear” as riquezas naturais do país, para suas já gordíssimas contas bancárias em paraísos fiscais, apropriar-se também dos impostos pagos sobretudo pelos mais pobres, mas também pelas classes médias – baixa, média e alta (DOWBOR, 2018). Essa, aliás, é a única finalidade da conhecida “PEC da Morte”, a Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos sociais por vinte anos, bem como das reformas trabalhistas, da Previdência e administrativa em andamento hoje. Essa é uma política de morte, é o que se chama de “necropolítica”. Política de morte porque não lhe importam as vidas das populações originárias – indígenas, quilombolas, ribeirinhas – nem a dos pobres, e aqui entram os pequenos proprietários rurais, os moradores das favelas e de rua, bem como outros grupos marginalizados. Morte da Mãe Terra, com a devastação de seus biomas, alguns dos quais sem condições de recuperação no curto e no médio prazos. É um projeto que sacrifica toda a vida atual e futura no altar do deus dinheiro, o “Mamon” da Bíblia.
Nesse contexto desolador, a sete de abril de 2020, no espírito do velho e rebelde bispo do Araguaia, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) somou-se a outras instituições – Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC) – e à Comissão Arns, assinando um “Pacto pela Vida e pelo Brasil”. Depois, mais de uma centena de outras instituições se somaram a essas, avalizando tal pacto, que coloca em primeiro lugar a vida, inclusive a dos que já nasceram – pasmem!
Mais tarde, uma carta de 152 bispos, intitulada “Carta ao Povo de Deus”, chamou a atenção para a “tempestade perfeita que nos é dada a atravessar” e apontava o Pacto como uma nau da necessária travessia. O bispo Pedro Casaldáliga, pouco antes de morrer, foi um dos 152 bispos assinantes. Com a carta tornada oficialmente pública, a CNBB criou o Grupo de Trabalho (GT) Pacto pela Vida e pelo Brasil, composto por vários bispos e assessores qualificados. A essa construção, que nasceu coletiva e foi ampliando sua coletividade, somou-se o Conselho Nacional do Laicato do Brasil, o CNLB, que, com suas potentes Comissões de Fé e Política e de Comunicação, potencializou o pacto que vai tomando corpo pelo Brasil.
Foram elencadas cinco prioridades a serem defendidas diante da pandemia e dos desmandos do projeto de morte em curso no país: Vacina e oxigênio para todos, Defesa do SUS, Auxílio Emergencial continuado, Investigação e responsabilização dos culpados pelas mortes, Recursos para o combate à fome. Essas cinco prioridades foram definidas necessárias para garantir a vida das pessoas e do planeta.
É um pacto necessário num tempo em que a Vida vale quase nada. Conheça-o e some-se a ele. Faça a sua parte.