CEB’s: o jeito autêntico de ser Igreja
De 19 a 22 de julho último, eu participei em Rondonópolis, no sul do estado do Mato Grosso, região central para o agronegócio, do 15º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, as CEB’s. Rondonópolis é sede da diocese Rondonópolis / Guiratinga e tem como bispo local dom Maurício da Silva Jardim, natural do clero de Porto Alegre (RS). O 15º Intereclesial teve como tema “Igreja em saída, na busca da vida plena para todos e todas” e como lema “Vejam, vou criar novo céu e nova terra” (Is 65,17).
Na ocasião contribuí com o VER (do método Ver, Julgar e Agir criado pelo padre belga Joseph Cardin) fazendo a análise de conjuntura na plenária do “Sulão” que congrega os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nesses dias todos, pude conviver com as delegadas e delegados desses estados: cristãos leigas e leigos, pessoas da vida consagrada, padres e (arce)bispos. Todos ficamos hospedados em casas de família nas paróquias da cidade sede do Intereclesial. O “Sulão” ficou hospedado e teve sua plenária, dos Pampas, na Paróquia Nossa Senhora Aparecida. A família que me acolheu, Glória e professor Osmar, acolheram, ao todo, nove pessoas, dentre elas, um casal, mais um padre e dois motoristas que vieram do Paraná. Acomodaram-nos como puderam, com alegria e dignidade. Alguns de nós dormiram em colchões na sala. O café da manhã foi tomado na família bem cedinho e, em seguida, todos os dias, nos dirigíamos à sede da paróquia onde estavam os ônibus. Após meia hora de trânsito, nos encontrávamos com os 1.500 delegados e delegadas vindas das comunidades de todo o Brasil na Plenária maior chamada “Casa Comum”, na qual aconteciam as “palestras” principais e depois os participantes seguiam para as plenárias menores que tinham os nomes dos biomas: Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Pampa (a nossa) e Caatinga. Nessas plenárias, em subgrupos, os participantes partilhavam seus pontos de vista sobre o tema tratado, o que depois era socializado na plenária menor e, por fim, na maior, “Casa Comum’. Tudo isso aconteceu com muita música, muita alegria, expressões culturais e momentos profundos de oração, espiritualidade e mística.
O tema tratado, “Igreja em saída, na busca da vida plena para todos e todas”, mostrou que as CEB’s têm uma grande preocupação social, uma preocupação com a vida plena para todos e todas trazida por Jesus, conforme nos fala o Evangelho de João, no capítulo 10,10.
Essa preocupação com a vida é também o que o papa Francisco nos ensina da Exortação Apostólica Gaudete et exsultate (sobre a santidade), n. 101:
“A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada… mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura…”.
Também o lema indicou o sonho das CEB’s com um mundo diferente deste em que vivemos. Este mundo é sintetizado pelo papa Francisco que pede: “Nenhuma família sem teto, nenhum operário sem Trabalho, nenhum camponês sem Terra”, no que se convencionou se chamar de “Os três T’s do papa Francisco”. Essa proposta é, na verdade, uma proposta de construção de um mundo em que as necessidades básicas do ser humano sejam atendidas: terra, teto e trabalho.
Enfim, as CEB’s propõem uma vivência encarnada da fé cristã. Propõe que cristãos e cristãs levem em conta a vida humana de Jesus que passou pelo mundo fazendo o bem, curando os doentes e possuídos pelo mal, abençoando as pessoas, perdoando pecados e que morreu na cruz por causa disso.
O papa Francisco também se fez presente no 15º Intereclesial por meio de um vídeo gravado com uma mensagem ao encontro. O vídeo foi feito por ocasião da visita dos bispos do estado do Mato Grosso ao papa, a pedido de dom Maurício Jardim. Assim, afirmou o pontífice:
“Quero estar próximo a vocês neste 15º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base. Sigam trabalhando, vão adiante, não se esqueçam: Igreja em saída”.
Veja a mensagem do papa Francisco.
Mas o que, afinal, são as CEB’s? É na página da internet “Portal das CEB’s” que encontramos um pouco de sua história: “As Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) surgiram no Brasil como um meio de evangelização que respondesse aos desafios de uma prática libertária no contexto sociopolítico dos anos da ditadura militar e, ao mesmo tempo, como uma forma de adequar as estruturas da Igreja às resoluções pastorais do Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965. Encontraram sua cidadania eclesial na feliz expressão do cardeal Aloísio Lorscheider (1): “A CEB no Brasil é Igreja — um novo modo de ser Igreja”. Esse modo de ser Igreja, que foi chamado de um “novo modo”, foi uma resposta dada por comunidades católicas ao contexto de exploração em que, historicamente, vivem desde sempre, ou seja, desde a colonização europeia em toda a América Latina. As CEB’s rezam, falam do Evangelho, cuidam dos sacramentos, mas também se preocupam com as necessidades urgentes das pessoas, como já vimos: terra, teto e trabalho, educação, lazer, saúde… vida digna, enfim.
Esse ‘novo modo’ de ser Igreja, na verdade, não é tão novo assim. Inspira-se no modo das primeiras comunidades cristãs descritas nos Atos dos Apóstolos, como em At 2, 42-44: “Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações. De todos eles se apoderou o temor, pois pelos apóstolos foram feitos também muitos prodígios e milagres em Jerusalém e o temor estava em todos os corações. Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum”. Por isso, o teólogo brasileiro padre Benedito Ferraro (2) ensina que as CEB’s são, na verdade, “O jeito normal de ser Igreja“.
Notas:
(1) Dom Aloísio Lorscheider foi bispo de Santa Maria (RS); arcebispo de Fortaleza (CE) e de Aparecida (SP). Participou do Concílio Vaticano II. Foi secretário-geral da CNBB (1968 a 1971) e seu presidente por dois mandatos (1971 a 1978) e presidente do CELAM (Conselho Episcopal da América Latina), de 1976 a 1979.
(2) Padre Benedito Ferraro é padre do clero de Campinas (SP) e teólogo. Foi assessor da Ampliada das CEB’s. Atualmente, é assessor da Pastoral Operária na Arquidiocese de Campinas e professor de teologia na PUC-Campinas.
Imagem: Indígenas no 15º Intereclesial. Autoria: CNBB.