Democracia e Igreja Sinodal
Neste primeiro artigo de 2023, quero voltar ao tema de democracia, desta vez, relacionado com “Igreja Sinodal”. A sinodalidade é uma proposta vivenciada pela Igreja antiga e revalorizada pelo Concílio Vaticano II. O Papa Francisco a retoma com força, propondo um sínodo, que está em andamento, sobre a sinodalidade. A democracia é tema de nosso maior conhecimento, embora nem sempre compreendido e com muitas versões. No ano de 2022, tratei separadamente de ambos os temas, mas a importância de ambos, sobretudo na atualidade, nos impõe continuar a reflexão.
Uma Igreja que ser quer sinodal é uma Igreja a caminho, a exemplo dos Discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Uma caminhada que se faz de escuta mútua atenta e respeitosa, de reconhecimento do outro, dos seus pontos de vistas e seus sentimentos, da partilha da vida e do pão (a realidade) e, por fim, uma tomada de decisão — a ação: aqueles discípulos (os de Emaús) “voltaram a Jerusalém para anunciar aos demais tudo o que tinha acontecido” (Lc 24, 33).
Há variações nos modelos de democracia. Atualmente, conhecemos a democracia liberal (no sentido econômico e não de costumes) e representativa (em crise com o que sustenta capitalismo) e a democracia socialista nas experiências reais e concretas, que desponta, após inúmeras crises, como proposta viável em alguns espaços. A democracia liberal concebe uma sociedade multipartidária que faculta à ampla maioria dos cidadãos e das cidadãs exercerem o direito de voto na escolha de seus representantes para o governo. Porém, sendo um sistema a serviço do capital financeiro, as leis que regem o processo eleitoral favorecem o uso (e abuso) do poder financeiro. Uma vez passadas as eleições, os eleitores pouco controle conseguem exercer sobre os eleitos. Já, a democracia socialista tem uma limitação quanto ao número de partidos. Porém, limita também a influência do poder financeiro de origem privada (particular) sobre o processo eleitoral. Por outro lado, os representantes do povo (eleitos) são monitorados constantemente por seus eleitores. Um bom exemplo hoje é a experiência da China em que o governo tem um sistema bastante transparente de prestação de contas de suas ações e investimentos. Claro que, assim como na democracia liberal, isso não acontece em todos os lugares e os modelos que conhecemos apresentam suas limitações.
Quando olhamos os dois modelos, Igreja Sinodal e Democracia, seja a liberal, seja a socialista, percebemos que ambas dialogam profundamente. Ambas se propõem, de alguma forma, estar em pleno diálogo com as pessoas e grupos que as compõem, sejam elas os fiéis ou os cidadãos. Ambas também preconizam um profundo diálogo com a sociedade. Por isso, podemos dizer que a fé cristã tem muito a oferecer a uma sociedade democrática e, simultaneamente, pode se enriquecer com ela. Uma verdadeira democracia, tendo a prática de Jesus como inspiradora, não pode ser mera repetição dos modelos que já conhecemos. Precisa promover valores como o humanismo, a fraternidade, a solidariedade e a justiça. Resumindo: a verdadeira caridade.
Aponto alguns elementos fundamentais para a vigência de uma democracia mais plena. Penso que constituam uma proposta mais conforme a fé cristã e seja, então, a democracia que devemos nos propor a construir, atuando politicamente, a partir de nossa fé:
1. Propiciar uma participação mais igualitária em todos os espaços democráticos. Essa sociedade precisa esforçar-se por realizar uma justa distribuição de rendas e oportunidades. Precisa oferecer educação de qualidade que respeite as diferenças culturais e de pensamentos que estejam no campo da democracia. Que possibilite uma adequada formação cidadã e dê atenção e assistência aos grupos economicamente em desvantagem.
2. Criar um sistema partidário e eleitoral transparente e participativo. Esse sistema precisa oferecer um mínimo de condições igualitárias de participação dos que desejam participar do campo político e disputar eleições. Precisa considerar as diversidades geográficas, populacional, de gênero e povos que há no país.
3. Reformar o sistema eleitoral para diminuir ao máximo possível a influência do poder econômico. Só assim, a população em geral poderá estar devidamente representada nos espaços de decisão cidadã.
4. Valorizar a participação democrática para além do momento eleitoral. É preciso favorecer os instrumentos já conhecidos de participação e controle: plebiscito, referendo, revogação de decisões que se considere contrárias aos interesses do povo. Porém, é preciso também a criação de outros mecanismos de consulta à população. Para isso, utilizar dos meios oferecidos pelas plataformas digitais para constante coleta de sugestões, propostas e avaliações para decisões sobre assuntos que tocam à realidade cotidiana da população.
5. Possibilitar aos eleitores um acompanhamento mais efetivo dos mandados dos eleitos. Criar mecanismos de informação e interação e também a possibilidade legal suspensão do mandato quando deixarem de agir segundo as propostas feitas durante o pleito eleitoral.