“É o amor que deve nos guiar como presbíteros”, dom Majella

24 de abril de 2019

No último dia 18, nas celebrações da quinta-feira Santa, centenas de fiéis, presbíteros e religiosos(as) participaram da Missa do Crisma, durante a qual foram abençoados os Óleos dos Catecúmenos e Enfermos e consagrado os Óleos do Crisma. Nesta Eucaristia, os presbíteros também renovaram suas promessas feitas no dia da Ordenação. A missa foi presidida pelo arcebispo metropolitano, Dom José Luiz Majella Delgado – C.Ss.R., na Catedral Metropolitana.

Confira a homilia do arcebispo na íntegra:

Nesta missa crismal de quinta-feira santa, os santos Óleos estão no centro da ação litúrgica. O óleo sacramental da Igreja, sinal da bondade de Deus que nos toca, é usado em quatro sacramentos: no Batismo; na Confirmação, como sacramento do Espírito Santo; nos vários graus do sacramento da ordem; e, finalmente, na unção dos enfermos, na qual o óleo nos é oferecido, por dizer assim, como medicamento de Deus. Assim, o Óleo, nas suas diversas formas, nos acompanha ao longo de toda a vida, desde o Catecumenato e o Batismo até o momento em que nos preparamos para o encontro definitivo com Deus, Juiz e Salvador. Hoje, nesta missa crismal, o sinal sacramental do Óleo fala de modo particular a nós, sacerdotes: fala-nos de Cristo, que Deus ungiu como rei e sacerdote; Dele, que nos torna participantes do seu sacerdócio, da sua unção, na nossa ordem sacerdotal. No fruto da oliveira no óleo consagrado toca-nos a bondade do Criador, o amor do Redentor que nos chamou, escolheu, consagrou e enviou em missão.

Esta missa crismal, quando comigo, pastor diocesano, os senhores sacerdotes, meus colaboradores mais estreitos, circuncidados pelo povo de Deus, são chamados a renovar as promessas formuladas no dia da ordenação sacerdotal, é-nos um momento forte de comunhão eclesial, que realça o dom do sacerdócio ministerial deixado por Cristo à sua Igreja, na vigília da sua Morte na Cruz. É também uma preciosa ocasião para meditarmos sobre a caridade, virtude que escolhemos para iluminar a nossa caminhada eclesial neste ano, concluindo, assim, o tríduo preparatório para a celebração dos 120 anos de criação da diocese de Pouso Alegre. Nos diz o papa Francisco que “a caridade deve chegar a quantos se encontrem necessidade onde quer que estejam”.

É o amor que deve nos guiar como presbíteros. É ele que faz com que não se coloque uns contra os outros. Em uma escolha teologal, espiritual e política, escolhemos não uma impossível neutralidade, mas a liberdade infinita e universal de amar a todos, sejam eles quem forem. Como padres devemos desejar vivamente que haja respeito ao outro padre, em nome do amor que Deus também escreveu em sua vocação de homem.

Jesus não podia desejar a traição de Judas. Chamando-o “amigo”, Ele se dirige ao amor escondido. Ele busca seu Pai neste homem. Acreditamos realmente que Jesus o encontrou? Onde houver esse amor que dá a vida pelo outro, ali estará Deus, ali haverá martírio da caridade. Jesus ensina que o único martírio é do amor, da caridade. Mesmo ao amigo que o trai, mesmo aquele que é responsável por sua morte e aquele acaba de lavar os pés. O martírio de Jesus é, portanto, martírio de amor pelo ser humano, por todos os seres humanos. Mesmo os marginais, os ladrões, os criminosos, os que agem cobertos pelas trevas e na calada da noite. Esse martírio inclui o perdão, o dom perfeito interminável, que persiste em dar.

Deus não confiou o sacerdócio aos anjos, mas a nós, seres humanos. Deus permite que nós, padres, cometemos falhas a fim de que a consciência de nossas quedas nos torne mais humanos com os nossos irmãos. Ser indulgente com as fraquezas do próximo é uma virtude de humildade. Por que havíamos nós de ser mais perfeitos que os outros? Por que havemos de estranhar que os outros tenham defeitos, se nós estamos cheios deles? Deus permitiu a queda de Pedro, coluna da Igreja, porto da fé, doutor do universo, para ensiná-lo a tratar os seus irmãos com misericórdia; e por igual permissão divina, o profeta Elias também caiu para se vestir com o manto da caridade e tornar-se indulgente como seu Senhor (São João Crisóstomo, da homilia sobre Pedro e Elias).

O hábito da caridade é requerido em nós enquanto amamos a Deus e ao próximo. Às vezes limitamos a palavra “caridade” a solidariedade ou a mera ajuda humanitária. É importante recordar, ao invés, que a maior obra de caridade é precisamente a evangelização, ou seja, o “serviço da Palavra”. Não há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir o Pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: “a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana” (papa bento XVI, mensagem para quaresma de 2013). O amor gratuito de Deus é-nos dado a conhecer por meio do anúncio do Evangelho como homens consagrados ao Senhor, somos, portanto homens da caridade.

O sacramento da Ordem que recebemos nos faz participar da mesma missão de Cristo, de entrar nos seus sentimentos, de descobrir cada vez mais a riqueza e a ternura do Amor do Mestre divino, que a cada dia, a cada momento, nos chama a uma amizade mais íntima com Ele. Por isso, nós, servidores de Cristo, em todas as ocasiões visitemos a Cristo, alimentemos a Cristo, tratemos as feridas de Cristo, vistamos a Cristo, acolhamos a Cristo, sirvamos a Cristo na pessoa do pobre.

A caridade para com os pobres é um dever importante que temos que preencher pois o apóstolo São João nos adverte: “o que, tendo riquezas deste mundo, vir seu irmão em necessidade e lhe fechar as suas entranhas, como poderá permanecer nele a caridade?” (1Jo 3, 17). Lemos nos salmos: “feliz de quem pensa no pobre no fraco salmo” (Sl 40, 2). E ainda: “feliz o homem caridoso e prestativo”. (Sl 111,5). Os pobres são amigos de Deus, por isso, dar alguma coisa ao necessitado é dá-la ao próprio Deus. “Quem se compadece do necessitado empresta ao Senhor” (Pr 14, 31). Ajudar os pobres, os fracos a recuperarem seus direitos, compartilhar sua mesa com pobre, não como gesto ocasional provocado por uma emoção passageira, mas manter sempre uma grande proximidade com o pobre, ser próximo, solidário com os oprimidos, despojados, os que vivem nas periferias existenciais; procurar ser um pai para eles. A caridade para com o pobre não admite adiamento. Reparte o teu pão com o faminto, acolhe em tua casa os pobres e peregrinos (Is 58,7) com alegria e presteza. Essa presteza e solicitude duplicarão a recompensa da sua dádiva. Quem ajuda o pobre muito se ganha de Deus.

De modo especial recomendo a caridade para com os doentes e sofredores por se acharem muitas vezes abandonados de todos e atormentados, além disso, por dores, inquietações e tédio. Procure ver em cada doente o próprio Jesus, que declarou aceitar como feito a si mesmo tudo o que se fizer pelos enfermos: “Estive doente e me visitastes” (Mt 25, 36). Precisa de grande caridade para tratar o enfermo o melhor que puder. Quanto mais pobres e abandonados estiverem os doentes, mais deve cuidar em prestar-lhes assistência, principalmente se as doenças durarem muito. Consola-os, então, servindo-os e socorrendo-os.

“Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1Jo 4,10), agora o amor já não é apenas um ‘mandamento’, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro” (Deus Caritas ets, 1). O cristão é uma pessoa conquistada pelo amor de Cristo e, movido por este amor, está aberto de modo profundo e concreto ao amor do próximo (cf. Deus Caritas est, 33). Esta atitude nasce, antes de tudo, da consciência de ser amados, perdoados e mesmo servidos pelo Senhor, que se inclina para lavar os pés dos apóstolos e se oferece a si mesmo na cruz para atrair a humanidade ao amor de Deus.

Toda a vida cristã consiste em responder ao amor de Deus. Quando damos espaço ao amor de Deus, tornamo-nos semelhantes a Ele, participantes da sua própria caridade.

Amados irmãos e irmãs, queridos padres, esta mesa da comunhão que alimenta nossa fé, nos convida vestirmos o hábito do amor. Peçamos ao Senhor que afaste qualquer hostilidade do nosso coração, que nos tire qualquer sentido de autossuficiência e que nos revista verdadeiramente com as vestes do amor, para que sejamos pessoas caridosas.

Invocando a intercessão de Maria Santíssima, a Senhora da Caridade, a nos ensinar a amar, a amar mais, a amar melhor, a sermos sempre amor dedicado, peço-lhes pela intercessão de São Sebastião, nosso glorioso padroeiro, que caminhamos sem jamais desanimar.