Ensino social de Francisco em dez anos

5 de maio de 2023

No mês de março comemoramos uma década da eleição do cardeal Jorge Mário Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, Argentina, como o 266º bispo de Roma, como ele mesmo gosta de ser chamado. Logo de saída, a notícia da eleição de Bergoglio trouxe uma série de novidades: o primeiro papa latino americano e do Terceiro Mundo, (vindo do fim do mundo!), o primeiro papa jesuíta, o primeiro de fora da Europa em 1.200 anos, primeiro papa a adotar o nome de Francisco, em homenagem ao pobrezinho de Assis que viveu no final do século XII e início do século XIII. Já era de se esperar, portanto, um papado diferente, que colocasse o pobre no centro de sua pregação, seja pela influência da teologia latino-americana da Libertação, pela formação austera dos jesuítas ou pelo indicativo do nome escolhido. De fato, o que estamos vendo é um papado verdadeiramente reformador da Igreja, com um forte viés social, político e econômico. É isso: Francisco coloca o pobre como centro da ação da Igreja e toca nas questões que de fato interferem na vida do pobre para melhorá-la ou para piorá-la. Em certa medida, podemos dizer que o papado de Francisco pauta a Igreja pelo social e, assim, todo seu ensino é social. Porém, Francisco pauta o social como instrumento que garante a dignidade da pessoa humana, vista como imagem e semelhança de Deus e redimida de seus pecados pelo Cristo crucificado.

Francisco, nesses dez anos de pontificado, vem procurando implementar as diretrizes do Concílio Vaticano II, que por sua vez, estabeleceu o diálogo da Igreja com o mundo. Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, o Concílio indica que a Igreja deve estar atenta e ser solidária com as situações existenciais e cotidianas das pessoas no mundo. A Igreja da América Latina, da qual Francisco é filho, tem procurado aplicar em sua pastoral as diretrizes do Concílio, atualizadas pelos documentos das Conferências Episcopais da América Latina e do Caribe: Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida. É bom lembrar que o então cardeal Bergoglio coordenou a equipe de redação do documento final da Conferência de Aparecida. Seus pronunciamentos enquanto papa sempre trazem as reflexões e propostas evangelizadoras de Aparecida.

Podemos afirmar que a grande novidade trazida por Francisco é, ao apontar para a dignidade da pessoa humana, propor um novo humanismo, também chamado humanismo integral.

Essa nova visão do ser humano o mantém como centro do universo, da obra da criação, como sinal e revelação do rosto de Deus, mas, ao mesmo tempo, o chama à responsabilidade de cuidador de toda a obra criada. O ser humano visto e apresentado a nós por Francisco deve ser também o responsável pelo cuidado da criação. Esse é o grande chamado de Francisco à Igreja, aos fiéis e ao mundo: serem cuidadores, interessarem-se pelo outro e pela casa comum. Convoca a todos a serem cuidadores sobretudo dos empobrecidos: as populações periféricas, os povos originários, as mulheres e os LGBTQIA+. Convoca a Igreja a promover uma saída às periferias, onde estão os machucados do mundo, ser como um hospital de campanha. Uma Igreja cuidadora!

Quando fala do cuidado com a Casa Comum e com os empobrecidos, Francisco toca nas questões que de fato podem contribuir com esse cuidado, colocando a economia e a política como instrumentos primordiais para melhorar a vida desses abandonados. Em 2018, a Congregação para a Doutrina da Fé e o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral publicaram, em conjunto, um pequeno texto sobre a economia: “Oeconomicae et Pecuniariae Quaestiones: considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro”. É o primeiro texto da Igreja especificamente sobre economia. Depois o papa convocou o movimento “Economia de Francisco”, no Brasil, “Economia de Francisco e Clara”. Esse movimento chama jovens economistas a buscarem soluções para uma economia que promova a vida e cuide da Casa Comum, tendo como modelo as experiências de economia solidária já existentes. Em 2020, publica a encíclica Fratelli tutti que trata da política melhor. Nela, convoca os cristãos e as instituições a se envolverem com a política, entendida como a forma mais alta de amor. E não é a primeira vez que faz isso. Além disso, convoca os governos das nações e as instituições nacionais a usarem seus esforços para tornar o mundo um lugar melhor onde todos se sintam incluídos.

Qual é o legado de Francisco no ensino social da Igreja? É a maneira como ele fala, a sua linguagem. É tocar com o dedo na ferida. A maneira contundente, concreta e com clareza estonteante como ele trata dos assuntos sociais e como propõe ações concretas e viáveis. Francisco, vindo do fim do mundo, da América Latina, sendo descendente de imigrantes europeus expulsos pelo capital e obrigados a refazer suas vidas longe de sua pátria, desenvolveu um fino senso de justiça e compaixão pelos que mais sofrem. Ao mesmo tempo, desenvolveu uma habilidade muito prática de solucionar essas injustiças estruturais e estruturantes. Conhecedor de um continente historicamente expropriado e empobrecido, que viu o colonizador branco europeu chegar e dizimar sua população originária, dilapidar suas riquezas naturais e trazer pessoas escravizadas de outro continente (da África), e empurrar sempre a maioria de sua população para a pobreza e a periferia como se não fosse gente, desenvolveu uma percepção da esperança que confunde os menos otimistas.

O ensinamento social de Francisco contribui, sobretudo, com a Igreja e o mundo pela clareza e perspicácia com que ele toca nas questões sociais.

 

Imagem: VATICAN MEDIA Divisione Foto.