#Reflexão: 15º domingo do Tempo Comum (10 de julho)

6 de julho de 2022

A Igreja celebra, no dia 10, o 15º domingo do Tempo Comum. Reflita e reze com a sua liturgia.

Leituras:
1ª Leitura: Dt 30,10-14

Salmo: 68(69),14.17.30-31.33-34.36ab.37 (R. cf. 33)
2ª Leitura: Cl 1,15-20
Evangelho: Lc 10,25-37

Acesse aqui as leituras.

O SAMARITANO MISERICORDIOSO

            Jesus sempre surpreendeu a todos com seus ensinamentos, mas principalmente com o seu modo de vida. Não era um homem de “belas palavras”, mas de exemplos concretos de vida e caridade, por isso, seus ensinamentos são profundos e questionadores. As pessoas se aproximavam de Jesus e sempre recebiam, gratuitamente, algo de especial e faziam uma experiência do amor de Deus. Este ponto em especial deve ter sido o principal motivo da oposição e até da ira daqueles que eram responsáveis pelo culto e pela religião da época. O judaísmo da época de Jesus apreciava muito mais um Deus da vingança e da punição e não um Deus da misericórdia. Assim, vários tentaram pegar Jesus em seus ensinamentos como no Evangelho de Lucas deste domingo mostrando que Ele não ensinava conforme a religião oficial.

O escriba era um entendido nas leis e na religião judaica. Ele se aproxima com uma intenção maldosa de testar Jesus em suas palavras. Chama-O de “mestre”, mas não tem intenção de ser discípulo. A questão apresentada era fundamental para qualquer pessoa que estava fazendo um caminho de fé (questão típica de um discípulo judeu: “o que devo fazer…”). Na pergunta, o escriba destaca o que era necessário “fazer” para herdar a vida eterna. Ele entendia que o caminho da salvação se resumia na prática (fazer) da Lei.

            Seguindo a tradição das escolas rabínicas (onde se aprendia a Lei), Jesus rebate a pergunta propondo outra pergunta onde o aluno expõe o conteúdo aprendido no ensino. O mestre da Lei relembra o grande princípio do amor a Deus (Dt 6,5) com todo coração, alma, força e inteligência; era uma oração rezada diariamente pelos judeus. A resposta é dada com um verbo no futuro: “amarás…” e não no imperativo (“ame a Deus”). E acrescenta outro princípio, mas de uma forma muito simples, sem repetir o termo amor: “… e ao próximo como a si mesmo” (Lv 19,18). Na primeira leitura, vemos que a Palavra e os Mandamentos estão próximos e em nosso coração para colocarmos em prática, não são princípios difíceis e inacessíveis.

Mas, o escriba querendo se justificar diante de Jesus (mostrar-se justo) amplia a questão com uma nova pergunta: “quem é o meu próximo”? Ele de qualquer modo se inclui na questão (“meu próximo”). Com este modo de perguntar, o escriba se coloca ao centro e queria saber quem ele poderia considerar como sendo o seu “próximo”. Para os judeus da época era aquele que vivia como ele: um judeu, religioso e fiel praticante da lei. Diante da nova questão, Jesus inova. Não lhe faz uma nova pergunta, nem rebate os princípios apresentados e nem propõe uma nova discussão a partir da lei, mas propõe uma nova prática para o seu cotidiano. Ele tira a discussão do Templo e das Escrituras e coloca a vivência da religião nas estradas. Assim, Jesus concordo com o conteúdo do Mestre da Lei, mas diverge da prática.

A parábola conhecida por todos, inicia mencionando circunstâncias muito especiais para o judeu, mas também extremas. Um “homem descia de Jerusalém”. Ele não tem nome, nacionalidade, nada sabemos sobre o que ele tinha feito e aonde iria. Ele representa a condição comum e geral de todos: pode ser qualquer pessoa. Ele caiu na mão de bandidos que além de ser assaltado, ainda é maltratado e deixado quase morto. Não conhecemos suas origens, mas as suas dores. Essa estrada era conhecida como local de constantes assaltos, certamente, este homem resistiu ao assalto e foi maltratado. O fato de estar “descendo de Jerusalém” nos dá a impressão de que se tratasse de um judeu piedoso que tinha realizado suas obrigações na Cidade Santa. Este mesmo detalhe (descer de Jerusalém) é mencionado para os dois próximos personagens.

Jesus continua a história afirmando que “por acaso” pela mesma estrada descia um sacerdote. Este religioso percorria o caminho que era feito por todos judeus que iam e retornavam de Jerusalém. Era o caminho do peregrino e do fiel. Tudo acontece por acaso na vida do sacerdote, mas foi algo providente da parte de Deus para o sujeito deixado quase morto à beira da estrada dos peregrinos.

O sacerdote era o personagem principal no culto judaico, pois oficializava as principais cerimônias e festas. Era uma pessoa que tinha contato com tudo que era de mais sagrado para um judeu. Jesus narra que o sacerdote “viu e mudou de estrada”. Foi casual o encontro, mas ele vê, mas não faz nada (“fazer”: pergunta inicial do escriba!). Um sacerdote quando “subia” para exercer o seu ofício no Templo em Jerusalém tinha que observar várias prescrições de pureza, entre elas, jamais tocar no sangue ou em um cadáver (o sujeito estava quase morto). Mas, o sacerdote estava descendo de Jerusalém (já estava livre de observar essas normas). Ele simplesmente, muda de lado da estrada.  Jesus acrescenta que um levita (eles auxiliavam o sacerdote no templo) faz a mesma coisa: vê e muda de lado da estrada. Dois principais personagens do culto judaico nada fazem para prestar o mínimo de auxílio àquela pessoa deixada à beira da estrada quase morta. Escolhem manter as “mãos limpas” de sangue conforme a lei, mas o coração deles estava doente, impuro e muito longe de Deus.

O terceiro personagem surpreende a todos os ouvintes: um samaritano. Esses eram considerados impuros e infiéis, eram marginalizados e desprezados pelos judeus, principalmente pela classe religiosa. Talvez por isto, exatamente, esta pessoa faz muito mais que os dois religiosos. O samaritano também vê, mas vai além disto. Jesus nos diz que ele “encheu-se de compaixão”. Esta forma verbal já apareceu em Lucas na passagem de Jesus que vê e enche-se de compaixão pelo filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17) e reaparecerá mais adiante na parábola do Filho Pródigo (15,11-32).

            O samaritano que era visto externamente como alguém impuro e indigno, se mostra com um coração de Deus: cheio de compaixão. Jesus conta que ele “estava em viagem”, isto é, em serviço. Ele sim poderia dar uma desculpa, pois estava atarefado e com compromisso, mas não o faz. Ademais, ele estava em um território que não era o seu, mas dos judeus. Os 10 verbos que se seguem são intensos. O samaritano interrompe seu caminho e atividade, se aproxima e toca o ferido curando suas feridas. O samaritano não tem preconceito e nem medo, pois entende que diante dele tem uma pessoa, um ser humano que precisa de ajuda. Ele não pergunta nada, não apresenta condições e nem limites no que faz, ele simplesmente age com o máximo de suas condições. A compaixão do samaritano faz com que ele gastasse não somente seu tempo, mas também seus bens: o vinho que tinha alta dosagem de álcool serviu para desinfetar; o óleo para aliviar as dores. Depois, concede ao doente o seu lugar na montaria e o conduz a um albergue. O samaritano além de gastar seu tempo e bens, gasta também um pouco de sua vida: passa a noite curando o doente. No dia seguinte, ele ainda gasta de sua riqueza para garantir a cura do doente.

Para o termo que traduzimos por “dono da pensão”, Lucas usa um vocábulo exclusivo que literalmente significa “acolhe a todos”. O samaritano conduz o ferido àquele que “acolhe a todos”, paga ele próprio toda cura e deixa “duas moedas” para que o tratamento continuasse, na época era o pagamento por dois dias de hospedagem. O samaritano promete depois de dois dias pagar o que o dono da hospedagem tivesse gasto a mais. Há uma forte ligação com a própria história de redenção de Jesus. A ressurreição no terceiro dia foi o preço que redimiu e curou todo o universo.

            A compaixão que o samaritano nos ensina vai além de ver (como o sacerdote e o levita) e fazer alguma coisa somente. É encher-se de compaixão, de amor, é aproximar-se, tocar, doar de si e do que tem, promover o outro com atenção e bens.

Ao final, Jesus retoma a conversa com o escriba e refaz a pergunta em outra perspectiva: “qual dos três foi próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?” Próximo – segundo Jesus – não é quem eu escolho como amigo ou que eu quero ajudar, mas quem Deus coloca em minha estrada. Não são os outros que devem se aproximar de mim, mas sou eu que devo ir ao encontro, sem limites e condições. Cada um é chamado a ser próximo do outro a começar dos mais necessitados, marginalizados, abandonados e deixados quase mortos nas estradas de nossa sociedade. Mas, somente iremos conseguir ser próximos dessas pessoas se nos enchermos de compaixão (de amor de Deus). À resposta do entendido da lei, Jesus conclui com uma frase que vale para nós todos: “Vai e faze tu o mesmo!”

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