#Reflexão: 4º domingo da Quaresma (10 de março)

6 de março de 2024

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A Igreja celebra o 4º Domingo da Quaresma, neste domingo (10). Reflita e reze com a sua liturgia.

Leituras:
1ª Leitura: 2Cr 36,14-16.19-23
Salmo:136(137),1-2.3.4-5.6 (R. 6a)
2ª Leitura: Ef 2,4-10
Evangelho: Jo 3,14-21

Acesse aqui as leituras.

LEVANTAR O OLHAR PARA O DEUS DA MISERICÓRDIA

            As leituras deste final de semana são um convite a aprofundarmos nossa ideia e imagem sobre nosso Deus. Jesus procura mostrar um Deus muito maior que todos os nossos pecados e males que cometemos, que nossos problemas e desafios da vida. Somente Ele dá sentido até naquilo que, aparentemente, não tem sentido.

Na primeira leitura deste domingo temos a análise de um autor bíblico sobre a história. Para o escritor, a destruição de Jerusalém e do Templo tinha uma explicação: tudo teria acontecido porque o povo abandonou a Deus e não escutou os profetas. Conclui o autor que foram os pecados do povo que produziram tanto sofrimento ao próprio povo. Jerusalém e o Templo tinham se tornado uma falsa segurança para os israelitas. Para conseguir tudo aquilo que precisavam – pensavam eles – bastava frequentar a Cidade Santa nas ocasiões de festa e no Templo apresentar os sacrifícios pedidos pela Lei. Mas a verdadeira religião que Deus sempre quis era outra que o povo tinha se esquecido.

No Evangelho de João deste domingo, Jesus faz algo semelhante com Nicodemos: relê a história. No início do capítulo (Jo 3,1), São João diz que um “fariseu” procurou Jesus de noite, deixando claro que se trata de alguém profundamente ligado a religião judaica: zelo e observante da lei; depois, João diz que era “um homem” (domingo passado, Jesus disse no final da passagem que não precisa do testemunho de nenhum homem), por fim, o evangelista diz o nome do personagem: Nicodemos. Ao longo da conversa com Jesus, descobrimos que ele também é um “mestre” da Lei. Ele era um judeu convicto de seus princípios judaicos, mas ao mesmo tempo, conseguia enxergar com mais profundidade a realidade e tinha percebido que Jesus não era uma pessoa qualquer: havia algo de grande e da parte de Deus em Jesus. Mas, Nicodemos estava dividido e inseguro em relação às suas ideias sobre o jovem de Nazaré. Assim, ele procura o Mestre de “noite” (em João é o lugar do medo, insegurança e do mal, Jesus é a Luz) e em um diálogo profundo, busca respostas para suas questões de fé pessoais. No Evangelho de João, Jesus está sempre dialogando com as pessoas (ao invés do discurso), como faz com este representante do judaísmo.

O convite que Jesus faz para aquele homem que procurava respostas era de mudar suas ideias sobre o próprio Deus; de abandonar a imagem que ele e a religião da época tinham criado sobre Deus. Como os israelitas no período da destruição dos lugares sagrados (1a leitura), Jesus provoca aquele homem a mudar até mesmo as perguntam que ele estava fazendo diante de Deus.

Na conversa com este homem curioso de Deus, Jesus recorda a passagem da serpente elevada no deserto (passagem do livro dos Números 21,8). O povo experimentou que o mal que fizeram contra Deus (murmurações) produziu serpentes que matavam com picadas venenosas. Assim, o evangelista São João aproveita a imagem da “Serpente elevada” que salva para falar da Salvação de Jesus na cruz. Em seu Evangelho, João não usa a expressão “crucificado” para Jesus, mas “elevado”. Assim, a primeira solicitação que Jesus faz é “olhar para o alto”. Abandonar a ideia de medir a presença de Deus e até mesmo “quem é Deus” a partir do mundo individual e pessoal: Se tudo está bem comigo e com os meus, então Deus é bom; se há algo de ruim, Deus está distante ou me “testando”. Nosso Deus possui projetos muito maiores para toda a humanidade onde cada pessoa é chamada a se incluir e fazer parte. Não é Deus que tem que se acomodar aos projetos pessoais de cada um e conceder vitórias e conquistas, mas o contrário: cada pessoa é convidada a fazer parte do plano de Deus. É preciso aprender a olhar para o alto e não tanto para o “umbigo” de nossas vidas e de sonhos pessoais.

Jesus convida Nicodemos a descobrir que há um projeto de Deus mais profundo para todos e que vai além de curar alguns males, doenças e problemas da vida. Um projeto de salvação para a humanidade que não foge da cruz, dos sofrimentos e da própria morte, mas algo que é capaz de transformar tudo em expressão do amor redentor para a humanidade.

Ninguém quer saber de cruz, sofrimento e até da morte, pois tudo “aparentemente” significa ausência de Deus, mas Jesus afirma exatamente o contrário: é expressão máxima do amor de Deus por todos seus filhos e filhas. É doando-se ao extremo que se conquista tudo; é despojando-se de tudo que se consegue apoderar-se de tudo; somente se tornando o último de todos é que se consegue ser o Senhor de tudo e de todos.

Era necessário, segundo Jesus, entrar na lógica de Deus onde é o Amor Supremo quem governa todas as coisas, mas um amor ao modo de Deus que não se apresenta como juiz para julga ninguém, mas Pai de Amor; não um Deus que insiste em condenar (o mundo já possui tantos!), mas em apresentar caminhos de salvação; não mais um Deus que fere e pune, mas insiste em oferecer possibilidades de misericórdia e de perdão, como São Paulo insiste na 2a leitura: nosso Deus é rico em misericórdia!

Jesus insiste com Nicodemos que o caminho de Deus é uma proposta de vida e iluminada por Jesus, mas é sempre um caminho aberto e Ele próprio está pronto a acolher e guiar quem quiser entrar nesta estrada de salvação. Acreditar em Jesus é desejar percorrer o mesmo caminho e a mesma estrada que Ele percorreu. No fundo, o projeto de Deus não é “fugir da humanidade”, mas entrar dentro dela e dar a cada coisa e momento um significado profundo e libertador.

Assim, a grande riqueza e os milagres que devemos esperar de Deus Pai são suas graças e seu Amor, este que já foi provado e revelado ao máximo através de Jesus que morreu por nós. E, como é próprio de quem ama, tudo é oferecido sem negociação, sem desejar algo em troca, sem comércio, mas na pura gratuidade que governa o universo. Um Deus que se oferece gratuitamente a toda humanidade e não somente aos seus.

Diante deste nosso Deus e Pai de todos, o nosso sentimento é de pequenez e indignidade em confronto ao grande amor de Deus. A grande força que pode transformar nossa vida não são os milagres, mas o amor misericordioso de Deus que dá profundidade a cada momento de nossa história, mesmo quando, ao nosso redor, tudo se apresenta tão negativo e longe de nossos projetos pessoais.

No Evangelho de João, Nicodemos aparece em algumas passagens significativas. Naquela noite, ele tem uma experiência profunda com Jesus que lhe deixa algo em seu coração. Mais adiante (em Jo 7,44), Nicodemos questiona seus colegas fariseus para oferecer a Jesus um julgamento antes de condená-lo. Depois, aparece somente após a crucificação para recolher (com José de Arimateia) o corpo de Cristo e envolvê-lo em um lençol com uma quantidade exagerada de perfume (19,39). Como Maria que ungiu os pés de Jesus (Jo 12,3) e enche a casa de perfume precioso. Se Jesus encontrou várias pessoas que exalavam o mal ao seu redor, também encontrou outras tantas com precioso perfume do amor e da doação que “enche o ambiente” de Deus.

Com Jesus e com sua morte em cruz, aprendemos que Deus não nos pune e nem nos condena, muito menos nos abandona (como assim, pensava o autor da primeira leitura), mas são os nossos pecados e as nossas misérias espirituais (egoísmo, soberba, preconceitos…) que ainda nos arrastam para longe de Deus. Como Jesus, aprendemos que o significado mais profundo que podemos dar à nossa vida e vivê-la como Ele mesmo viveu: em total doação a Deus e ao próximo. Quem pretende ganhar sua vida, tem que aprender a perdê-la; quem deseja ter vida plena, tem que saber gastar com o próximo e com Deus. A vida eterna e plena que Deus deseja para todos, começa em nós, mas ganha significado, valor e profundidade somente quando é compartilhada e vivida junto com outros e com Deus.

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