#Artigo: Qual a diferença entre Assembléia e Sínodo?

25 de maio de 2021

A arquidiocese de Pouso Alegre está se preparando para a realização do seu primeiro Sínodo Arquidiocesano, com início previsto para novembro desse ano. A data poderá ser alterada, dependendo da realidade de enfrentamento à Covid-19. Mas a Igreja Particular de Pouso Alegre já vive essa preparação, conhecendo os desafios e alegrias da sinodalidade, e se fortalecendo na oração.

A arquidiocese de Pouso Alegre possui uma caminhada de realização de assembleias pastorais, tendo finalizado, em 2016, sua 9ª assembleia. Então, qual a diferença entre Assembléia e Sínodo? É o que o padre Clemildes Francisco de Paiva, membro da comissão preparatória para o Sínodo, reflete neste artigo.

CONVERSANDO SOBRE ASSEMBLEIA E SÍNODO

Padre  Clemildes Francisco de Paiva

1. O significado do termo “Assembleia”

O termo assembleia remonta a sua origem a partir do verbo latino assimulare, o qual significa juntar. Do francês, o termo provém de assemblée, o qual significa encontro, reunião. Em seu bojo, o termo assembleia se refere a uma reunião de pessoas para um determinado fim. Pode ser associado a outros conceitos como sociedade, associação ou corporação, parlamento e clube.

O significado de assembleia é o de reunião de pessoas para discutir determinadas questões e, de forma conjunta, deliberar acerca dos objetivos a serem firmados. Na Assembleia, os assuntos geralmente são submetidos à deliberação de seus membros, prevalecendo o consenso obtido pela maioria.

Sob o prisma político, no séc. V, de acordo com a cultura grega, a cidade de Atenas introduziu uma nova forma de governo, tendo peculiar importância as assembleias populares. Para que alguém se tornasse membro destas assembleias eram necessários dois requisitos: primeiro, possuir pais atenienses e, segundo, ser maior de idade. Excepcionalmente, uma pessoa estrangeira poderia adquirir a condição de cidadão e, por consequência, se tornar membro da assembleia do povo. Contudo, nesta época, as mulheres não podiam participar das assembleias.

Deixando de lado o conceito pragmático de assembleia, é interessante observar outro termo que possui um sentido etimológico igualmente relevante. Trata-se do vocábulo grego ekklesia, o qual significava uma assembleia de cidadãos livres. Em latim o mesmo vocábulo que define a Igreja (ecclesia), significava assembleia do povo, Igreja.

Há uma grande proximidade entre os termos assembleia e Igreja, de modo que a Igreja era definida como assembleia de pessoas. Já no Antigo Testamento, compreendia-se que o povo era a assembleia (qahal) convocada pelo Senhor e no Novo Testamento, a Igreja (ecclesía) era a convocação escatológica do povo de Deus em Cristo Jesus.

À luz da Sagrada Escritura pode se conceber a existência da ekklesia, ao lado de outras duas essenciais instituições de Israel: o templo e a sinagoga. Estas duas últimas tinham um caráter eminentemente religioso e estavam ligadas a uma construção (edifício). Graças ao Novo Testamento, o termo ekklesia foi adotado para se referir à comunidade de pessoas que seguiam Jesus. Foi no tempo em que os cristãos ainda não tinham templo e se reuniam nas casas, que tal reunião era designada pelo termo ekklesia, no sentido de assembleia.

Mais tarde com o passar dos séculos, houve uma identificação entre o termo ekklesia com o termo Igreja (templo), em detrimento do sentido da palavra Assembleia. Pode-se inferir, portanto, que o termo assembleia resgata o seu aspecto dinâmico e o verdadeiro sentido de ser Igreja, enquanto povo reunido em nome da Trindade, assembleia de fiéis batizados.

2. A caminhada de Assembleia Arquidiocesana nos últimos tempos

Assembleia Pastoral 2016// Foto: arquivo

A Arquidiocese de Pouso Alegre possui uma sólida caminhada de realização de Assembleias, a nível comunitário, setorial e arquidiocesano. Como fruto desse processo, no tocante à evangelização, obteve-se, em grande parte, a compilação de um projeto ou de um Plano de Pastoral, o qual oferecia algumas diretrizes e prioridades específicas para a ação evangelizadora de todo o povo de Deus desta Igreja particular.

As assembleias geralmente eram preparadas por uma equipe de Coordenação de Pastoral, seguindo uma metodologia participativa que se iniciava a partir das bases, ou seja, nas comunidades com suas lideranças (CCP’s). Em seguida, nas paróquias com suas forças vivas (CCP’s), nos setores de Pastoral (COSEPAs) e em nível arquidiocesano (com representantes de comunidades, pastorais, conselhos que eram escolhidos mediante votação ou por indicação/designação e com a participação de todo o clero).

As primeiras experiências de assembleias em nossa Arquidiocese ocorreram nos anos de 1977, 1979, 1983, 1987 e 1992 sob o influxo da renovação protagonizada pelo Concílio Vaticano II e também pelas assembleias promovidas pela Conferência Episcopal Latino-americana (CELAM) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Nos últimos vinte anos, a Igreja Particular de Pouso Alegre tem realizado uma singular caminhada pastoral. É muito salutar recordar do Projeto Formamos a Igreja Viva, fruto da Assembleia de Pastoral de 1999, que resultou nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Pouso Alegre 2000-2004 (Doc. 01). Esta Assembleia trouxe como objetivo formar comunidades participativas, acolhedoras e solidárias, ministeriais e missionárias, celebrativas e ecumênicas e, tendo como prioridade, a formação permanente e a dimensão sócio-transformadora, frente aos apelos do Evangelho e da realidade atual.

A Assembleia Arquidiocesana de Pastoral de 2004 culminou com a elaboração do Plano de Ação Pastoral de Pouso Alegre 2005-2008 (Doc. 02), tendo dois objetivos específicos: despertar e formar a consciência de uma Igreja missionária e acolhedora e reforçar a dimensão sócio-transformadora. O texto inspirador desta sétima assembleia arquidiocesana foi extraído do Evangelho de Lucas, a respeito do Caminho de Emaús (Lc 24,13-35), como também serviu de base para a estruturação dos capítulos do referido plano.

A oitava Assembleia Arquidiocesana ocorrida no ano de 2010 levou à elaboração do Plano da Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Pouso Alegre 2010-2014 (Doc. 04) e ao desejo de ser uma Igreja samaritana que experimenta o amor de Cristo e se torna discípula e missionária do Senhor. O texto iluminador foi extraído do Evangelho de João (Jo 4,1-30.39-42), sobre o encontro de Jesus com a samaritana, enfatizando a necessidade de adesão ao novo modo de ser “Igreja Viva”, incentivando e criando uma rede de comunidades missionárias, conforme as prioridades assumidas: 1) Comunidade e Missão; 2) Família e Juventude nas suas diversidades; 3) Compromisso sócio-transformador.

A última Assembleia Arquidiocesana iniciou-se em 2015, com o Jubileu Extraordinário da Misericórdia e atingiu o seu clímax no ano de 2016. O grande fruto desta caminhada está expresso no Plano da Ação Evangelizadora 2017-2020: À mesa da Palavra e do Pão, somos alimentados e enviados em missão. Nesta empreitada, o objetivo traçado como horizonte foi o de formar uma Igreja Viva, sendo uma Igreja de discípulos missionários, acolhedores, proféticos e misericordiosos a serviço da construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Não obstante à penúltima assembleia, também foram escolhidas três prioridades pastorais: 1) Comunidade de fé em estado permanente de missão; 2) Comunidade de Fé a serviço das Famílias; 3) Comunidade de Fé a serviço da Vida Plena para todos. E as condições fundamentais para a ação evangelizadora: Pastoral Orgânica e Formação Permanente.

Esta é a valiosa herança ou o precioso patrimônio da evangelização da porção do Povo de Deus desta Igreja Local que pretendeu, em cada época, responder corajosamente aos apelos do Senhor e às necessidades mais prementes do povo de Deus.

3. Um estilo peculiar e um novo jeito de caminhar como Igreja: sinodal (sínodo)

A palavra sínodo faz jus à sua origem etimológica grega que significa “caminhar juntos” ou então “o caminho feito conjuntamente pelo povo de Deus”. No grego eclesiástico, exprime “o ser convocados em assembleia dos discípulos de Jesus e, em alguns casos, é sinônimo da comunidade eclesial”.

O termo sínodo em grego equivale ao vocábulo latino sýnodus ou concilium. Este último, no uso profano, consiste numa “assembleia convocada por uma legítima autoridade”. Apesar de serem, hoje, palavras distintas pelo próprio direito eclesiástico, sínodo e concílio possuem um significado muito próximo. Isso igualmente ocorre entre assembleia e sínodo de modo que, assembleia possui um conceito mais amplo e sínodo uma compreensão mais restrita. Em outras palavras, todo sínodo é assembleia, porém nem toda assembleia é sínodo, mas pode designar, por exemplo, um concílio ou até mesmo uma simples reunião comunitária.

Nos primeiros séculos da história da Igreja o termo sínodo era empregado para designar as assembleias eclesiais em diversos níveis. Por meio dele se buscava discernir à luz da Palavra de Deus e por meio da escuta do Espírito Santo as questões de natureza dogmática, celebrativa ou disciplinar seja a nível local, provincial, regional ou universal.

Graças à caminhada histórica de renovação e de transformação (“aggiornamento”) proporcionada pelo Concílio Vaticano II, a Igreja pôde se debruçar nesta dimensão importantíssima para a sua ação evangelizadora, que não surgiu após o Vaticano II, mas desde às suas origens, na era apostólica: a sinodalidade. Inúmeros teólogos passaram a refletir sobre esta dimensão constitutiva da Igreja, a qual indica o modo de ser e de agir de toda a Igreja.

Tal intento enceta a importância de caminhar juntos, reunir-se em assembleia e estimular que todos os fiéis cristãos participem ativamente da missão evangelizadora da Igreja de modo que se verifique a sinodalidade não como um acessório ou uma vestimenta externa da Igreja, mas como uma dimensão constitutiva do seu modus vivendi et operandi.

O estudo conduzido pela Comissao Teológica Internacional acerca da sinodalidade na vida e na missão da Igreja salienta que a “sinodalidade exprime o ser sujeito de toda Igreja e de todos na Igreja” (n. 55). Enquanto membros sinodais da Igreja, os fiéis são companheiros de caminho, não são obrigados a caminhar, mas livres para viver e testemunhar a fé, unidos entre si e em comunhão com toda a Igreja. A fé compartilhada por todos leva à comunhão de todo o gênero humano. Neste sentido, verifica-se que a “sinodalidade é uma expressão viva da catolicidade da Igreja comunhão” (n. 58).

Em seu discurso, por ocasião da comemoração dos 150 anos da instituição do Sínodo dos Bispos, em 17 de outubro de 2015, o Santo Padre, o Papa Francisco, afirmou: “O caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro Milênio” (n. 1).
Os tempos atuais com seus inúmeros desafios interpelam a Igreja, a se colocar numa atitude humilde de escuta e de discernimento, para forjar novas respostas ao homem contemporâneo, afligido pela crise sanitária e multifacetária provocada pela Pandemia. A grave e delicada situação atual espera de todos os cristãos católicos uma nova postura e a compreensão do exercício incessante desta dimensão primordial que é o rosto e a missão da Igreja: a sinodalidade.

4. Pistas para a vivência da sinodalidade na Igreja Particular (Diocese)

O primeiro nível de exercício da sinodalidade se concretiza na Igreja particular: “Na Igreja particular o testemunho se encarna em situações humanas e sociais especificas permitindo uma incisiva ativação das estruturas sinodais a serviço da missão” (n. 77). Na diocese, os fiéis são chamados a intensificar a vivência da fé de forma dialogal e solícita, pois “uma igreja sinodal é uma Igreja participativa e corresponsável” (n. 67).

Deste modo, apresentamos de forma bastante simples e suscinta, algumas pistas a serem levadas em conta para que o sínodo não seja apenas visto como um evento transitório, mas enquanto o despertar para a vocação sinodal de todo o povo de Deus:

a) Fomentar na vida comunitária e paroquial a prática da escuta comunitária da Palavra, da participação ativa e frutuosa da celebração da Eucaristia e dos demais sacramentos: sem a Palavra que une e congrega não há comunhão, o que impossibilita a vivência da sinodalidade. Além disso, os sacramentos nutrem os fiéis a permanecerem em Cristo (tronco) e à sua Igreja (ramos da videira);

b) Criar ou revitalizar os espaços de comunhão e de fraternidade, para a participação de todos, sem exclusão (segregação), reclusão (afastamento) ou oclusão (fechamento) nos diversos âmbitos eclesiais: é o que o Papa Francisco tem alertado sobre o risco de uma Igreja autorreferencial, autocentrada em si mesma, em sua própria subsistência e que se esquece de criar vínculos, unir forças, partilhar experiências e ir ao encontro, sobretudo, dos mais afastados;

c) Não descuidar da importância da natureza sinodal da Igreja que se exprime a nível organizacional (institucional): tal preocupação, porém, não deve matar o Espírito, no sentido de conduzir a um excessivo rigorismo ou formalismo, mas deve levar a uma profunda “conversão pastoral”;

d) Educar para o discernimento, de modo que os fiéis aprendam a seguir na escuta do Espírito: aprender a ouvir, antes de querer tomar a iniciativa de sempre falar. Ouvir com atenção, ouvir com o coração, ouvir o que a Igreja precisa escutar, o que implica em auscultar, para que ela possa seguir fielmente no caminho do anúncio e do testemunho do Evangelho;

e) Revigorar o modus operandi da Igreja diocesana por meio de suas estruturas institucionais, tais como: Cúria diocesana e Coordenação de Pastoral, Colégio dos Consultores e Cabido Diocesano, Conselho Presbiteral e para Assuntos Econômicos e outros: tais elementos constituem âmbitos permanentes de exercício de promoção da comunhão e da sinodalidade; Além disso, valorizar e promover os leigos nos diversos âmbitos, onde sua presença não é apenas necessária, mas eficaz;

f) Estimular a vivência da sinodalidade na vida da paróquia por meio do fortalecimento da rede de relações fraternas e na autonomia dos conselhos paroquiais de pastorais e para Assuntos Econômicos, com a participação laical na consulta e no planejamento pastoral: a mútua colaboração entre clérigos e leigos na corresponsabilidade pela comunhão na diversidade de vocações, carismas, ministérios e competências evitando, porém, qualquer intransigência, negligência ou omissão que leve a uma clericalização dos leigos ou a uma laicização dos clérigos;

g) Busca de uma maior colaboração e parcimônia nas foranias ou setores pastorais da diocese, de modo que haja uma economia solidária, para suprir não apenas momentaneamente, mas de modo efetivo as necessidades fundamentais de cada paróquia, evitando a disparidade econômica e as desigualdades entre as comunidades paroquiais: a sinodalidade se verifica também além das reflexões e cogitações, na tomada de decisões que visam assegurar a promoção da comunhão e da fraternidade entre todas as paróquias, como também no presbitério diocesano, de modo semelhante às primeiras comunidades cristãs, entre as quais não havia cristãos que passavam necessidade.

Estas pistas, longe de serem exaustivas, visam favorecer o aprofundamento acerca da relevância do Sínodo e mais que isso, da vivência da sinodalidade em nossa caminhada enquanto povo de Deus. Necessitamos de responder continuamente à convocação do Senhor, a escutar comunitariamente o que o Espírito diz à Igreja de Pouso Alegre e, por meio da Palavra de Deus que ressoa na atualidade, interpretá-la com os olhos da fé, a fim de discernir os sinais dos tempos.

Há múltiplos desafios pastorais à nossa volta, tal como os discípulos de Emaús ensejamos procurar juntos os caminhos a percorrer na missão eclesial, conclamando a todos a exercer a corresponsabilidade por meio do diálogo e da mútua colaboração. O tema para a celebração do primeiro Sínodo da Igreja Particular de Pouso Alegre se apresenta como uma bússola nesse longo caminho a percorrer: “Igreja, caminho de comunhão para a missão”. Aproximemo-nos mais uns dos outros, apesar de vivermos tempos de distanciamento social. Aproximemo-nos com o coração e deixemos que a Solenidade de Pentecostes, que ora estamos celebrando, nos leve ao diálogo e à escuta: “Uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta (…) cada um na escuta dos outros; e todos na escuta do Espírito Santo” (Papa Francisco).

OBS: As citações literais foram extraídas do Doc. 48 da Comissão Teológica Internacional, conforme consta na Bibliografia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Diretrizes da Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Pouso Alegre 2000-2004 – Formamos a Igreja Viva (Doc. 01).

ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Plano de Ação Pastoral da Arquidiocese de Pouso Alegre 2005-2008 – Formamos a Igreja Viva (Doc. 02).

ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Plano da Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Pouso Alegre 2010-2014 – Formamos a Igreja Viva (Doc. 04).

ARQUIDIOCESE DE POUSO ALEGRE. Plano da Ação Evangelizadora 2017-2020 – Formamos a Igreja Viva (Doc. 02).

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (Doc. 48). Brasília: Edições CNBB, 2018.